sábado, 27 de maio de 2017

15

Victoria chegou na enfermaria e viu Luciano deitado inconsciente. O coração dela disparou novamente. Foi quase sufocante vê-lo daquela forma. Antônio estava ao lado dele, enquanto uma enfermeira o consultava. Mas numa enfermaria de colégio, não se podia fazer muita coisa. 

André então chamou uma ambulância que o levou para um hospital próximo. Ele logo foi internado para os primeiros exames. Os médicos fizeram todos os exames que podiam, mas nada encontraram. Seus batimentos e pressão estavam sendo monitorados a toda hora e Victória, que havia cancelado as aulas, não saiu do lado de Luciano nem mesmo para ir comer alguma coisa.

O tempo foi passando e ela começou a se preocupar, pois não havia mudança alguma em seu quadro. Não melhorava, mas pelo menos, não piorava. André e Antônio a ajudavam quando ela precisava sair para comer ou tomar banho, mas mesmo assim, não demorava muito. Os médicos disseram para todos irem para casa e assim que mudasse o quadro, eles os avisariam.

Victória foi para casa, mesmo contra sua vontade. Antes, porém passou no colégio para pegar algumas coisas e viu a bolsa dele na estante. Sem pensar muito pegou a bolsa para leva-la também. Ao chegar em casa, encontrou algumas roupas dele espalhadas pelo sofá. Aquela mania irritante de ele deixar a roupa espalhada pela casa agora havia se tornado em algo acolhedor. Pegou uma camisa dele e vestiu enquanto se sentava no sofá deixando a bolsa encostada no chão. A camisa ainda estava com o cheiro do perfume dele. Perfume esse que ela sabia que não poderia mais viver sem. Era estranho que aqueles sentimentos que estavam latentes dentro dela tenham surgido tão forte assim que ela o viu na cama de hospital. Victoria temia não ter forças para enfrentar algo assim.

Deitou-se no sofá abraçando as pernas e começou a chorar. Quanto mais forte ela chorava, mais forte abraçava as pernas. Sentia-se sozinha, como nunca havia se sentido antes. Queria estar nos braços de Luciano. Queria poder gritar para ele abrir os olhos e falar alguma besteira ou algo logicamente óbvio como ele sempre fazia. Ela queria ele. Adormeceu chorando.

No dia seguinte acordou sentindo um cheiro bom vindo da cozinha. Demorou para levantar, pois o cheiro de Luciano ainda estava forte na camisa. Mas precisava ir ao hospital. Foi até a cozinha e viu Antônio preparando o que ela achou que fosse panquecas.

- Panquecas? – Victoria perguntou sentando-se.
- Eu não sabia do que você gostava de comer, então fui no mais lógico. Desculpe.
- Tá tudo bem, eu não estou com muita fome mesmo.
- Filha, você precisa comer. Precisa ficar forte por ele.
- Mas se ele nunca mais acordar? Malak disse... – Victoria parou de falar de repente lembrando do dia anterior. Começou a lagrimar novamente.
- Filha, o que quer que aquele demônio tenha falado para você, não ligue. Lembre-se do que você mais gosta em Luciano e se prenda a esse pensamento.
- Vou tentar.

Depois de comer alguma coisa, ela voltou ao hospital. Lembrou-se que Luciano era perito em óleos e elixir e levou alguns para ver se ajudava. Ela pegou um de aloe vera e passou em sua testa. Era estranho olhar para ele daquela forma. O engraçado era que ela nunca havia acreditado muito nessas coisas que ele fazia. Luciano era prático e cético quanto a muitas coisas e Victoria sempre se perguntava como ele podia acreditar em coisas assim.

Victoria ficou quase o dia todo ao seu lado e acabou adormecendo com a cabeça perto de sua mão. Dormiu e sonhou. Ela não via direito onde estava, mas estava em um local com um clima ameno, refrescante e com braços a abraçando. O cheiro era de Luciano, apesar de ela não conseguir enxergar seu rosto sabia que era ele, porque se sentia segura, e ela somente se sentia segura ao lado dele. Olhou para sua mão esquerda. Havia um objeto redondo dourado em seu dedo. Eles haviam se casado. Estavam felizes. Porém, logo o céu claro e azul se tornou escuro e o clima ficou sufocante e quente. Ela sentiu dificuldade em respirar. Logo se viu vestida de calça e camisa com uma faca em sua mão. Luciano sempre ao seu lado, eles estavam... Numa floresta? Mas o que eles estavam fazendo numa floresta? Luciano falava algo que ela não conseguiu saber o que. Mais à frente, ela viu um cavalo, ou pelo menos parecia um cavalo. O corpo era de um cavalo, mas no lugar que seria a cabeça.... Estava um crânio em chamas... A coisa veio para cima de Victória. Assustada ela e Luciano fugiram, mas a coisa era mais rápida. Victória nunca havia visto algo tão rápido assim. A coisa chegava cada vez mais perto e Victoria notou que havia perdido a faca ou marchete, ou seja lá o que tinha em mãos. Quando olhou para trás a coisa estava em cima dela. Aqueles buracos no que seriam seus olhos a assustaram e ela começou a gritar.

Acordou assustada no quarto do hospital com Luciano olhando assustado para ela. Num misto de alívio e felicidade ela o abraçou forte, lagrimando. Eles não precisavam falar nada, apenas se olharam. O coração de Victória começou a bater forte de uma maneira que ela jamais pensou que fosse bater. Ele olhava para ela, aqueles olhos castanhos que ela tanto sentiu falta nesses dois dias. Ele tocou seu rosto enxugando suas lágrimas. Eles estavam perto demais. Sentiam a respiração um do outro quando de repente Antônio entra no quarto. Victoria se afastou rapidamente.

- Vic... Luciano, você acordou? – Antônio preferiu não comentar sobre a cena que acabara de presenciar. Ele se arrependeu no segundo que os viu quase se beijando. Ambos estavam com aquela cor vermelha que amantes ficam quando são surpreendidos.
- Para ser sincero, acordei com os gritos de Victória. Afinal de contas, o que foi aquilo? – Ele falava com a voz rouca.
- Nada, apenas um pesadelo. Você não deve se preocupar comigo. E sim com você.
- O... O que aconteceu? – Luciano fechou os olhos se esforçando para lembrar o que havia acontecido.
- Malak.
- Isso, ele... Ele apareceu no colégio, mas... Era Paulo ele...
- Sim, Malak o estava controlando.
- Ele falou alguma coisa sobre meus pais e... O que aconteceu? Eu desmaiei?
- Não vamos pensar nisso agora, certo? Vou chamar o médico para fazer uns exames em você e saber se você pode voltar para casa. – Victoria saiu deixando Luciano aos cuidados de Antônio.
- Mas o que aconteceu com o Paulo? – Luciano não perdia a mania de se preocupar com todos.
- Não se preocupe com isso agora, Luciano. Descanse. Depois nós conversamos sim?

Por mais que não quisesse, Victoria sentia que seu coração ainda batia rápido. Ela estava corada e com a respiração ofegante. O que havia acontecido naquele quarto? E que sonho mais estranho foi aquele? Ela nunca havia sentido tanto medo antes. Ainda podia sentir o suor de medo que estava no sonho, apesar de estar com suas roupas secas. Sonhar com uma mula sem cabeça assustadora daquela era algo que Victoria jamais pensaria que acontecesse. Não deixou de rir ao se lembrar.

Ela encontrou o médico que estava acompanhando Luciano e depois de uma bateria de exames ele foi liberado. Os médicos ainda prescreveram um ou dois analgésicos caso ele tivesse dor de cabeça, mas seu quadro clínico estava perfeito. Victória o levou direto para seu apartamento. Antônio esteve calado desde então.

No apartamento, Luciano foi tomar um banho, arrumar algumas roupas e ver contas atrasadas. Victória foi para a cozinha preparar alguma coisa para eles comerem. Antônio apenas os observava. Luciano voltou para a sala tomado banho. Ele estava louco para tirar aquele cheiro de hospital de sua pele. Sentou-se no sofá ao lado de Antônio.

- Onde está o André?
- Está com um médico. Seus remédios estavam acabando e ele precisava de uma receita. Ele não estava muito feliz por isso, mas as dores... Sabe como é...
- Incomodam mesmo. – Luciano falou passando a mão na testa.
- Dor de cabeça?
- Um pouco, sim.
- Bem, então nossa conversa pode ficar para depois se você quiser.
- Não, não.... Você falou que era importante, quero saber do que se trata. – Victoria estava preparando uma carne assada para que Luciano pudesse comer uma comida decente.

Viu da cozinha que Antônio estava com o semblante preocupado para Luciano. Sentiu-se aliviada ao ver a cena. Apesar de tudo, ela sentia medo por não poder estar ao lado de Luciano quando ele precisasse. Ela o viu pegar uma espécie de caderno. De onde estava não deu para saber com precisão. Na verdade, Antônio pegou um antigo relicário que a mãe de Luciano manteve durante muitos anos. Parou quando do nascimento dele. Victoria poderia estar paranoica, mas de onde estava, notou certa preocupação no rosto de Antônio ao entregar o objeto a Luciano.

O objeto não passava de um caderno comum em espiral. Mas, devido ao tempo e às coisas que a mãe de Luciano deve ter posto dentro, ele estava com as folhas já amareladas e mais grosso. Luciano ficou olhando por algum tempo aquele objeto em sua mão. Talvez estivesse com medo do que fosse ler o que estava em suas páginas, ou era apenas cansaço mesmo. Abriu lentamente e começou a ler a primeira página. Victoria não sabia o que estava escrito, mas pôde a emoção nos olhos de Luciano. Emoção que ela entendia bem. Ainda sentia o coração apertando quando ia ao porão ler alguma anotação de Tereza. Então, ela colocou seus fones de ouvido e foi terminar de fazer o almoço, deixando Luciano a vontade lendo. Antônio foi ajuda-la, mas sempre olhando para o rapaz sentado no sofá.

- Você sabe o que está escrito naquelas páginas
- Nada além que a verdade. Uma verdade que ele não vai gostar.
- Por que?

Antônio nem teve tempo para explicar quando Victoria viu Luciano de repente ficar de pé. Ele estava branco e respirando rápido. O caderno havia caído no chão. Ele se virou para os dois. Os olhos estavam cheios de lágrimas.

- Lu? O que foi? – Victoria perguntou com todo cuidado que conseguia.
- Eu.... Preciso ir! – Luciano falou saindo pela porta e não falando mais nada.
- Mas... O que houve? – Victoria correu para pegar o caderno. Estava em uma página específica. Luciano era filho das sombras. Será que era isso que Malak estava se referindo? Luciano ser filho das sombras?
- Droga! Por que você não me falou sobre isso? – Victoria saiu correndo atrás de Luciano.
Ela começou a se preocupar pois ele havia acabado de chegar do hospital. Era para estar descansando e não sair correndo dessa forma. Mas para onde ele poderia ter ido? Antônio estava atrás dela, dizendo para dar um tempo a ele. Ele precisava de tempo para poder entender o que leu.
- Entender? O que tem para entender? Como diz aqui: “Foi tarde demais. Quando descobri quem era o pai da criança que eu estou esperando... O que ele era. Tereza me falou que talvez isso pudesse acontecer, devido a nossa ligação com Malak. O demônio que incorporou Ricardo... Ricardo não existia mais. Não sei o que vai ser dessa criança. Claro que não irei abortar, mas.... Temo pelo fato de ele vir a ser como o pai dele...”
- Eu sei o que parece Victoria, mas filha.... Confie nele. Você realmente acha...
- Padre, eu não tenho medo de ele se tornar um demônio, até porque não há possibilidade disso acontecer. Tenho medo de ele fazer uma besteira e...
- Ele não vai se matar, minha filha. – Victoria parou. Sentiu seu sangue todo sumir com essa possibilidade. Ela não poderia perder Luciano.
- Eu preciso acha-lo. Fique no apartamento dele, caso ele volte. Por favor, me ligue se ele aparecer.

Victoria passou o dia todo procurando por Luciano. A bateria do celular dele acabou de tanto que ela ligou. Um passado recente voltou a sua mente, onde seu ex namorado deixava o celular no silencioso para não atende-la, deixando-a completamente louca de desespero achando que houvesse acontecido algo devido a sua atividade única. Ela estava tremendo, parada dentro do carro quando chegou uma mensagem de Luciano avisando que estava no apartamento de um amigo. Ela correu para lá. Já passava da dez da noite.

O apartamento ficava num local perto do centro. Era daqueles prédios antigos, apartamentos altos, largos. Victoria assim que entrou o viu sentado, com a cabeça baixa. Ele havia chorado. Ela não sabia se sentia raiva ou pena dele.

- Eu... Você leu? O que estava escrito? Agora entendi porque...
- Não comece. Você sabe que não tem nada a ver com isso. Luciano, era o que o seu pai era, não você. - Victoria se aproximou dele lentamente.
- Mas ele era... – Luciano não conseguia terminar de falar a frase. – Eu não sei se tenho ou não isso dentro de mim e...
- Ora, pare com isso? Que droga, você foi... batizado. Você.... Nós fazemos parte dos Cristadelfianos. Você acha mesmo que se você fosse... Não. Claro que você não é.
- Como você tem certeza disso? Meu pai era um demônio. – Ele gritou se levantando de repente fazendo Victoria se afastar um pouco. Ele não entendia porque estava gritando.
- Você acha que eu queria ser o que eu sou? Você acha que é fácil ser a única que consegue ver aqueles seres sem olhos ou rostos definidos? Não Luciano, mas é isso que eu sou, e aceitei isso para poder tentar seguir em frente. Agora se você quer mesmo sentir pena de você mesmo, me avise que eu vou embora. – Victoria não queria gritar também. Ela não sabia se estava irritada com ele pelo que ele falou ou se estava com medo de que o que ele falou tenha sido verdade.

Eles estavam próximos. Luciano estava respirando fundo e sentia o perfume de Victoria. Aquele perfume que ele sempre gostou. Quando ela começou a se afastar Luciano não raciocinou mais. Apenas segurou e a puxou para seus braços. Antes que ela fizesse qualquer protesto, ele a beijou. E no instante que seus lábios se tocaram, ela não queria nunca mais soltá-los.

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