Luciano
estava inquieto dentro da igreja. Não sabia o que estava acontecendo lá fora
com as crianças nem com Victoria. Ele ficava cada vez mais preocupado. Se virou
para olhar para os alunos. Alguns estavam quietos rezando num canto. Outros
tentavam falar com os pais. Outros conversavam baixo.
Antônio vinha de tempos
em tempos trazendo coisas para as crianças comerem. Luciano suspirou. Ele não queria
deixar Victória sozinha numa hora dessas, o pior foi que ele havia esquecido
sua bolsa, estava com poucos fracos no bolso. Logo ele que sempre estava com
ela. Mas também não poderia deixar aquelas crianças sozinhas. Ele era responsável
por elas no momento que elas passavam pelos portões do colégio.
Quando
começou com tudo isso, sabia que as coisas poderiam ficar mais perigosas, mas
agora, estava afetando crianças. Quando se formou em matemática e física, tudo
que ele queria era poder passar o que entendia para crianças de modo que elas
entendessem. Ele gostava de dar aulas, gostava das suas turmas, gostava da
agonia de corrigir provas e testes e trabalhos. E principalmente gostava de conversar
com elas.
Crianças,
na maioria das vezes, possuíam um olhar diferente de tudo. Elas enxergavam a
verdade antes mesmo de os adultos sequer pensarem haver outras possibilidades.
Foi um de seus alunos que abriu seus olhos sobre seus sentimentos em relação a
Victoria. Crianças eram especiais.
Agora
essa... Coisa estava afetando as duas coisas que ele mais amava na vida: as
crianças e a Victoria. Uma raiva começou a crescer dentro de Luciano. Uma raiva
que ele não sabia de onde surgiu, mas que tinha alvo certo. Malak. Ele odiava
aquilo que ele estava fazendo com sua preciosa cidade. Odiava o fato de ele ter
voltado e odiava principalmente quando ele enfrentava tão abertamente Victoria,
deixando-a insegura.
Ele
respirou fundo. Não podia explodir agora. Não na frente das crianças. A última
vez que fizera isso, precisou chamar um marceneiro para consertar a porta do armário
de seu quarto. Ele se lembra do quão assustado ficara no momento que vira a
porta do armário completamente destruída depois do acesso de raiva. Então veio
o sorriso de Victoria na sua memória. Um sorriso que nem ela mesmo novata.
Sorriso cada vez mais raro. Um sorriso cálido, aconchegante. A raiva começou a
diminuir rapidamente. Sua respiração começou a voltar ao normal.
De
onde estava, viu Antônio se aproximando. Suas feições estavam preocupadas, e
ele soube que não ficaria na igreja por mais tempo. Enquanto isso contabilizou
novamente seus frascos, não chegavam nem perto do que ele sempre levava
consigo. Maldita hora de deixar a bolsa no carro. Mas, aqueles precisavam
servir para alguma coisa. Ele assim esperava.
- Você vai voltar para ajudar Victoria.
– Antônio não estava fazendo uma pergunta.
- Eu não posso deixá-la sozinha no meio
de tudo isso.
- Você a ama tanto assim? – Antônio
perguntou sem cerimônia.
- Sim... Não... Quer dizer... – Luciano
parou quando viu o olhar complacente de Antônio para ele. Ele apenas suspirou.
– É tão óbvio assim?
- Aparentemente somente ela não aceitou
a verdade.
- Victória pode ser teimosa na maior
parte do tempo. Eu não posso chegar para ela no meio de tudo isso e jogar uma
coisa dessas para cima dela. Ela me afastaria. E se isso acontecer...
- Seu coração se parte em pedaços. –
Antônio falou colocando a mão no ombro de Luciano. – Luciano, posso ser padre,
mas tive meus namoricos quando adolescente. Sei o que você está sentindo por
ela. E sei o quanto isso é forte. Essa ligação que vocês dois têm... É a arma
secreta de ambos. Vocês vão precisar dela. Quando chegar o momento da verdade.
- Que verdade?
- Cada coisa
tem sua hora. Agora ela.... Quem é aquele no meio da fumaça? – Antônio desviou
seu pensamento quando viu uma figura, uma forma humana no meio da fumaça. –
Será que é um aluno? Ou algum professor perdido? Acho que é aquele novo
professor.
Luciano
reconheceu aquela figura quase instantaneamente. Ele sempre achou Paulo
esquisito, mas não imaginava que ele fosse estúpido. Novamente a raiva na boca
de seu estômago. Luciano detestava pessoas idiotas, e desde o momento que
conheceu Paulo, classificou-o como uma pessoa idiota.
Paulo
estava parado no portão, ainda olhando para o escritório de Victoria. Ele
estava lá algum tempo. Na verdade, desde que a fumaça tomou todo o colégio ele
estava parado lá, mas ninguém notou, pois todos estavam preocupados com as
crianças. Na verdade, a fumaça ficou mais pesada no colégio assim que Paulo foi
para o portão. Ele estava calmo, encostado no muro com os braços cruzados.
Da
igreja Luciano ficou chamando por ele em vão. Paulo escutava perfeitamente o
chamado preocupado de Luciano e era isso mesmo que ele queria. Chamar a atenção
do guarda-costas de Victoria. Ele teria que ser eliminado primeiro. Ordens de
Malak. Luciano era uma força com a qual Malak não tinha condições de lutar. Não
ele propriamente falando, pois Malak notara um ponto escuro em sua alma, mas a
força que ele carregava em seu coração. Uma força mais antiga do que qualquer
coisa que Malak tinha conhecimento. A força mais forte que os humanos foram
capazes de criar. O amor. E contra ele nenhum ser do submundo poderia ser capaz
de lutar.
Paulo
ficou ali, parado, de óculos escuros e sua característica camisa polo dois
números maiores, encarando o vulto de Victoria quando Luciano se aproximou
dele. O rapaz não reparou, mas Paulo esboçou um sorriso que afastaria até mesmo
o mais perigoso fugitivo.
- Paulo, cara, o que você está fazendo
sozinho nessa fumaça? Vem, vamos nos proteger dessa fumaça. – Luciano falou chegando
perto dele.
- Você... É uma distração que meu mestre
simplesmente não quer mais.
- O... Quê? – Luciano se virou para
Paulo a tempo de ver o fogo vermelho de Malak envolvendo o professor.
- Você... Vai
ser eliminado! – Paulo tirou os óculos e olhou direto nos olhos de Luciano.
Tudo ficou escuro ao redor dele.
Victoria
apareceu na janela a tempo de ver Luciano caindo no chão e Paulo rindo. De onde
estava, Paulo não pode escutar os gritos de Victoria para eles. Paulo apenas
olhava para Luciano caído. Sua missão estava completa. Seu mestre agora poderia
ficar feliz, afinal.
O guarda-costas de Victoria, havia sido
eliminado.
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