terça-feira, 10 de maio de 2016

11.

No dia seguinte Victória abriu a porta do quarto lentamente. Ela viu Luciano deitado na sua porta. Revirou os olhos e passou por cima cuidadosamente para não acordá-lo. Ela passou a noite toda acordada pensando no que André lhe contou. Que ele era seu pai. Isso era impossível. Ele jamais poderia ser seu pai. Tereza lhe contara que seu pai estava morto há anos, que ele abandonou a família por não aguentar o “trabalho” de Tereza e que depois não dera notícias.

Para Victoria era assunto encerrado. Afinal de contas ela nunca precisou de pai. Tereza foi suficiente para ela. Sempre estivera ao seu lado e não era agora que ela iria aceitar um padre que ela nunca ouvira falar na vida dizer ser seu pai. Caso ele começasse a insistir, ela pediria um exame de DNA e acabaria com essa palhaçada.

Mas, ao contrário, por que André contaria essa história se não fosse verdade? Ele não teria motivos para mentir sobre isso. E, se isso fosse realmente verdade, como ela deveria se portar perante ele? Será que ele faria questão que fosse chamado de pai? Pensando nisso, sua dor de cabeça voltou. Ela chegou na cozinha, pegou uma xícara de café e foi para fora acender um cigarro. O dia seria longo e ela pensaria nisso depois.

Ao longo dos dias, Victoria quase não quis contato com André. Sempre que precisava de alguma coisa, pedia ajuda a Luciano. Ela também passou a conversar mais com Antônio. Os alunos adoraram a missa assim como o padre e o pastor joviais que a comandaram.
Luciano passou o tempo todo conversando com ela tentando convencê-la de que era melhor conversar com André e escutar o que ele tinha para falar. Mas Victoria era teimosa demais, defeito que sua mãe nunca conseguiu tirar dela. Ela não queria sequer olhar para ele. Evitava-o sempre que possível e só falava com ele quando era estritamente necessário. Quando chegava em casa, se trancava no quarto e só saía quando escutava a porta do quarto de André bater e escutar barulhos lá dentro.

Victoria sabia que tinha que falar com ele, mas de alguma forma era impedida. Ela ainda não admitira para ela mesma, mas estava doida para conversar com ele, receber um abraço e um beijo na testa que sempre via os pais de suas colegas fazerem com elas.

Depois de algumas semanas, Manaus amanheceu com uma bruma escura. Todos pensaram que era mais uma chuva forte característica da região. Victoria chegou no colégio. Poucos alunos haviam chegado, talvez fosse necessário começar as aulas um pouco mais tarde para dar tempo de todos chegarem. Ou pelo menos falar com os professores para deixarem seus alunos entrarem em sala caso chegassem atrasados.

Nuvens pesadas pairavam sobre o colégio. A quadra precisou ser esvaziada antes que todos ficassem molhados e pegassem um resfriado. Victoria estava em sua sala quando Luciano entrou com Antônio. A expressão deles não estava nada amigável e ela sabia que problemas estavam chegando.

- Minha filha, essa escuridão não é normal.
- As nuvens de chuva? Padre, caso o senhor não esteja lembrado...
- Elas não são nuvens de chuva. – André falou entrando no escritório de Victoria. Ele a viu ficar sem saber como se portar perto dele.
- Vocês não acham que estão exagerando nessa coisa de...
- Filha escute...
- Eu NÃO SOU sua filha! – Victória explodiu quando ouviu André chama-la de filha. Ela saiu de sua sala batendo a porta deixando Luciano, André e Antônio constrangidos.
- Eu vou falar com ela. – Luciano falou assim que viu André se sentando pegando seu remédio.
- Eu vou ficar aqui com ele.

Luciano encontrou Victoria parada perto de uma janela com um cigarro nas mãos. Ele precisava começar a fazer com que ela parasse com esse vício horrível. De longe ele notou que seu rosto estava molhado. Ele sabia que ela demoraria para aceitar toda a verdade, mas tanto André quanto Manaus estavam sem tempo. Ela ainda precisava aprender muita coisa e somente André poderia lhe ensinar.

- Vic...
- Não comece.
- Mas você precisa resolver isso com ele, vocês precisam conversar. Como...
- Nem ouse dizer “como pai e filha”.
- Mas é isso que vocês são: pai e filha. Você não quer enxergar o óbvio. Vocês dois tem a mesma cor de cabelo e os mesmos olhos. – Luciano falou em meio ao protesto silencioso de Victória.
- O que eu vou falar para ele? “Oi papai, quanto tempo? ”
- Seria um bom começo, não acha? – Ele perguntou rindo. O que a fez rir também.
- O que eu vou falar pra ele, Lu? E COMO? Eu... Eu... – Ela começou a chorar forte e Luciano a abraçou. Os abraços de Luciano estavam ficando cada vez mais constantes. E mais aconchegantes também.

Enquanto os dois conversavam, Antônio ficou com André até que o remédio fizesse efeito. As dores estavam vindo com mais frequência e piorava sempre que ele e Victoria não conversavam ou tinham conflitos. Antônio queria conversar com Victoria, mas precisava fazer isso à sós.

- Ela está com dificuldades para aceitar a verdade. Você falou para ela cedo demais.
- Você queria que eu falasse para ela quando eu já estivesse morto? Eu não tenho muito tempo Antônio. Victoria precisa entender que as coisas são como são e... – André parou de falar em meio a outra crise de dores.
- Você precisa é ir ao hospital, isso sim!
- Eles vão falar o que eu já sei, meu amigo. Que a única coisa que posso fazer é esperar minha hora.
- Isso é tão injusto!
- Que eu esteja morrendo?
- Sim! E também que você tenha pouco tempo com sua própria filha.
- Eu já pude ficar perto dela. Isso para mim já vale qualquer doença.

Da janela Antônio viu a fumaça negra envolver toda a cidade. Victoria entrou rapidamente em sua sala. Ela e Luciano pegaram seus equipamentos, pois esperavam que o pior estaria se aproximando.

- O que você vai fazer? – Luciano perguntou escolhendo os vidros no armário e colocando em sua bolsa carteiro.
- Primeiro, cancelar as aulas. Os pais já estão chegando para pegar seus filhos. Droga, detesto quando essas coisas acontecem.
- Mas...
- Eu pedi para secretária avisar aos pais. E falei para ir embora também. Assim como todos os outros professores.
- Victória, você está achando que...
- É o Malak? E que outra coisa seria? Uma fumaça negra envolvendo toda a cidade e principalmente o colégio e... Você está bem? – Ela perguntou assim que olhou para André.
- Ele está com mal-estar minha filha. As últimas semanas não têm sido fácil para ele.
- Seu Antônio, eu preciso dos seus conselhos, pode vir aqui um minuto!
- Luciano eu não acho que seja hora...
- É rápido Vic. – Luciano falou fechando a porta deixando Victória e André sozinhos.

Os dois não sabiam o que fazer. Victoria ficou olhando pela janela aquela fumaça que estava se aproximando. Pela primeira vez ela não sabia o que fazer em relação a tudo o que estava acontecendo com ela. Aquela sensação esquisita sempre que ficava perto de Luciano. O fato de se sentir impotente em relação aos novos poderes de Malak e principalmente, em relação a André. Esse último era o mais complicado de todos.

- Não se preocupe, você saberá como agir no momento certo! – André falou como se lesse seus pensamentos.

Ela se virou e ficou observando aquele homem que há poucos meses nem sabia que existia e agora... Victoria suspirou. Chegou perto dele e o ajudou a sentar melhor. A posição que ele estava, além de causar mais dor, poderia fazê-lo cair no chão. Victoria o ajudou a sentar num pequeno sofá que havia em sua sala. Pequenos instantes em que ela se sentiu protegida.

- Qual é o seu problema afinal? – Ela falou colocando uma pequena almofada atrás da cabeça de André.
- Não se preocupe com isso. Agora você tem problemas mais sérios do que a doença de um velho moribundo. – André falou com um cálido sorriso nos lábios.
- Pare com isso! Você não é velho muito menos moribundo. – André apenas riu.
- Agora você tem que se preocupar com essa fumaça. O que você está pensando em fazer?
- Esperar Malak agir. Alguns pais chegaram preocupados com os filhos. Liberei as aulas.
- Fez bem. Melhor afastar as crianças dessa confusão toda. Aquele aluno...
- Está bem. Os pais não entenderam muito bem, mas disseram que iriam leva-lo para um local para descansar. O que eu não entendo é que eles agora que estão se preocupando com o filho... Ele mesmo me falou que a mãe não estava nem ai para o que acontecia com ele ou o que deixava de acontecer. – Victoria estava frustrada.
- Os pais têm reações estranhas quando existe a possibilidade de perder um filho... – André parou de falar. Ele prometeu a si mesmo que só falaria disso quando Victória estivesse realmente pronta para isso.

Enquanto eles conversavam, a fumaça negra avançava rapidamente por toda a cidade. As pessoas estavam assustadas, pensavam ser mais incêndios na floresta. Para quem não soubesse da verdade, realmente pensaria isso. Mas Victória sabia o que estava acontecendo e o medo dela era de não salvar a cidade a tempo.

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