Luciano
chegou perto da sala de Victoria e escutou o tradicional barulho abafado de
pessoas conversando. A sala dela ficava no segundo andar do colégio próxima da
secretaria e sala dos professores. Quase não havia salas de aula por lá, apenas
os laboratórios de Informática e Química. Luciano vinha conversando
amigavelmente com Antônio que se mostrava interessado em tudo que ele falava.
Ele
entrou sem esperar resposta depois de bater. Era uma sala comum, com uma mesa
no centro e um pequeno armário onde ela guardava os dados de cada aluno que
tinha e teve. Um computador já um pouco antigo, um pequeno sofá e duas cadeiras
ocupadas pelas professoras de português e artes. Luciano deixou o copo de suco
na frente de Victoria e ouviu a conversa.
- Dom Casmurro? Vocês dois têm certeza
de que é isso mesmo?
- Eu e a Carmem fizemos uma votação,
ambas nas nossas matérias, para saber qual obra os alunos queriam. Acredite,
Dom Casmurro ganhou de obras atuais como esse tal Jogos Vorazes.
- Sinal de que vocês estão fazendo um
ótimo trabalho.
- Não, sinal de que a obra vai cair no
próximo ENEM. – Dora falou rindo.
- Bem, se é isso que vocês querem...
Teremos Dom Casmurro como trabalho final das matérias de humanas. Afinal acho
mesmo que a ideia do Leo não vai ser aceita. Seria muito bom termos essas
Olimpíadas, mas...
- E quanto à feira de ciências? Alguma
novidade? – Luciano perguntou assim que fechou a porta depois que as professoras
saíram.
- Bom, temos que avisar ao Paulo sobre
nossas ideias, mas o Ivo já topou. Você sabe como ele gosta dessas coisas. Dois
trabalhos finais uma de exatas e biológicas o outro de humanas foi a melhor
ideia que você já teve. – Victoria falou sorrindo para eles. Eles ficaram em
silêncio até Antônio fazer um barulhinho baixo com sua garganta.
- Ah, desculpe. Victoria esse é Antônio.
- Bom dia minha filha. Eu sou o novo
padre da igreja ao lado.
- Sim, me avisaram mesmo que o senhor
chegaria por esses dias, desculpe o esquecimento. Trabalhar com jovens não é
fácil.
- Não se preocupe filha. – Antônio falou
animado.
- O senhor deve estar estranhando a
cidade, não?
- Ah não, eu sou, como dizem, caboco da
terra. Estava num curso que todo padre é obrigado a fazer. Sabe filha, eu gosto
de estudar, mas só quando tenho vontade. Sorte têm os pastores, não acha? –
Antônio tinha a conversa leve e alegre e Victoria e Luciano logo simpatizaram
com ele.
- O fato de eles poderem casar não tem
nada a ver com isso, não é? – Luciano falou rindo.
- Luciano, pare! Desculpe seu Antônio.
- Tudo bem filha, acho que a gente acaba
se acostumando depois de um tempo. – Antônio falou alegremente.
- Então, o que o senhor gostaria de
falar comigo? – Victoria perguntou envergonhada o que fez Luciano e Antônio
rirem.
- Então filha, meu antecessor disse que
vocês sempre fazem missas e cultos ecumênicos no colégio?
- Ah sim, preferimos assim para não
priorizar nenhuma religião. Tentei falar com o rabino que sempre está muito
ocupado, mas me deu umas ideias e disse estar disposto a algum dia fazer uma
palestra no colégio. Já temos um pastor que sempre está por aqui, ele conversa
com os alunos, e coisas assim, e a igreja sempre vem com uma missa ou algo do
tipo. Acho importante a parte religiosa, mas sem ser imposição entende?
- Claro filha. Posso, mais tarde, se
você gostar, falar com o rabino e o pastor para mostrar as diferenças e
semelhanças entre as religiões.
- Isso seria... maravilhoso, Padre. Eu
vou adorar isso.
- Vou começar a ver isso então... –
Padre Antônio parou de falar se sentindo incomodado.
- Algum problema? – Luciano perguntou
dando-lhe um copo de água.
- Tem algum problema aqui. – Ele não
estava perguntando – E vocês não sabem como resolver isso. – Victoria e Luciano
apenas se olharam em silêncio. – Alguém pode me dizer o que está acontecendo?
- Por que o senhor está perguntando
isso?
- Filha, por favor. Já sou um homem
vivido. Sei que vocês estão aqui com uma tarefa especial. Eu também sei que
vocês sentem essa mesma energia ruim pairando sobre o colégio.
- O senhor... SENTE? – Victoria
perguntou indo até ao lado de Antônio. – Então o senhor também é um...
- Um conselheiro? Sim, eu sou sim.
- Existem outros como nós? – Luciano perguntou
ficando perto de Victoria e Antônio.
- Cristadelfianos? Não, infelizmente
não. Poucos de vocês ainda se tem conhecimento, mas todos estão espalhados,
escondidos ou até mesmo mortos.
- Preciso saber mais sobre nós.
- Calma filha. Com o tempo você saberá.
- Quem é o conselheiro de vocês?
- André, o que você está fazendo aqui? –
Luciano falou rapidamente olhando a porta se abrir e ver André entrando pela
porta.
- Eu sabia que
havia sentido um cheiro estranho quando cheguei aqui, mas não imaginava que
fosse ter surpresa tão agradável. – André falou sorrindo abraçando
calorosamente o amigo deixando Victoria e Luciano sem entender muita coisa.
André
passou algum tempo contando sua história para Luciano e Victoria. Ele falou
que, quando chegou em São Paulo e foi para o seminário, poucos foram os alunos
que falavam com ele. Antônio chegou uma semana depois e passou pelo mesmo
problema. Então, logo os dois ficaram amigos. E a surpresa foi maior ainda
quando descobriram que vinham da mesma cidade. A amizade só cresceu com os anos
e mesmo distantes um do outro, pois ambos seguiram caminhos diferentes, sempre
se correspondiam.
- Ele havia me falado que estava querendo
vir passar por Manaus, mas não me disse a data. Por que? Eu teria ido lhe
buscar no aeroporto.
- Não se preocupe com isso. Quer dizer
que eles dois são seus novos discípulos?
- Sim. Mas venha, precisamos colocar a
conversa em dia e Victoria precisa cuidar de um colégio inteiro.
- Antes de sair, Victoria, minha filha,
pense no que lhe falei. Precisamos fazer alguma coisa contra essa força do mal.
- Força do Mal? Vocês estavam falando do
Malak?
- Não André... Malak? Ainda o Malak? O
que tem ele, achei que ele estivesse sido derrotado de vez.
- A Victoria é filha da Tereza. – André
falou para Antônio desconcertado. – Venha tenho que conversar muitas coisas.
- Agora eu
entendi. Victoria, vamos marcar uma missa para a semana que vem. É urgente.
Malak não está aqui, mas mandou um de seus subordinados, disso eu tenho certeza.
– Antônio falou saindo da sala junto com André.
Victoria
e Luciano ficaram calados por um tempo. Ambos não sabiam direito o que havia
acontecido. Malak não estava presente, mas havia mandado um dos subordinados?
Qual, afinal, seria o plano dele?
- E agora, o que vamos fazer? –
Perguntou Luciano ainda olhando para a porta.
- Chamar a Clarisse e pedir para ela
fazer os banners para entregar aos alunos avisando da missa.
- Considere feito. – Luciano falou
saindo da sala.
- Lu? – Victoria o chamou antes de ele
fechar a porta.
- Sim.
- Tome cuidado! – Victoria falou
sentindo que alguma coisa de ruim poderia acontecer com ele.
- Calma. Eu vou ficar bem.
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