domingo, 31 de janeiro de 2016

9.

Luciano chegou perto da sala de Victoria e escutou o tradicional barulho abafado de pessoas conversando. A sala dela ficava no segundo andar do colégio próxima da secretaria e sala dos professores. Quase não havia salas de aula por lá, apenas os laboratórios de Informática e Química. Luciano vinha conversando amigavelmente com Antônio que se mostrava interessado em tudo que ele falava.

Ele entrou sem esperar resposta depois de bater. Era uma sala comum, com uma mesa no centro e um pequeno armário onde ela guardava os dados de cada aluno que tinha e teve. Um computador já um pouco antigo, um pequeno sofá e duas cadeiras ocupadas pelas professoras de português e artes. Luciano deixou o copo de suco na frente de Victoria e ouviu a conversa.

- Dom Casmurro? Vocês dois têm certeza de que é isso mesmo?
- Eu e a Carmem fizemos uma votação, ambas nas nossas matérias, para saber qual obra os alunos queriam. Acredite, Dom Casmurro ganhou de obras atuais como esse tal Jogos Vorazes.
- Sinal de que vocês estão fazendo um ótimo trabalho.
- Não, sinal de que a obra vai cair no próximo ENEM. – Dora falou rindo.
- Bem, se é isso que vocês querem... Teremos Dom Casmurro como trabalho final das matérias de humanas. Afinal acho mesmo que a ideia do Leo não vai ser aceita. Seria muito bom termos essas Olimpíadas, mas...
- E quanto à feira de ciências? Alguma novidade? – Luciano perguntou assim que fechou a porta depois que as professoras saíram.
- Bom, temos que avisar ao Paulo sobre nossas ideias, mas o Ivo já topou. Você sabe como ele gosta dessas coisas. Dois trabalhos finais uma de exatas e biológicas o outro de humanas foi a melhor ideia que você já teve. – Victoria falou sorrindo para eles. Eles ficaram em silêncio até Antônio fazer um barulhinho baixo com sua garganta.
- Ah, desculpe. Victoria esse é Antônio.
- Bom dia minha filha. Eu sou o novo padre da igreja ao lado.
- Sim, me avisaram mesmo que o senhor chegaria por esses dias, desculpe o esquecimento. Trabalhar com jovens não é fácil.
- Não se preocupe filha. – Antônio falou animado.
- O senhor deve estar estranhando a cidade, não?
- Ah não, eu sou, como dizem, caboco da terra. Estava num curso que todo padre é obrigado a fazer. Sabe filha, eu gosto de estudar, mas só quando tenho vontade. Sorte têm os pastores, não acha? – Antônio tinha a conversa leve e alegre e Victoria e Luciano logo simpatizaram com ele.
- O fato de eles poderem casar não tem nada a ver com isso, não é? – Luciano falou rindo.
- Luciano, pare! Desculpe seu Antônio.
- Tudo bem filha, acho que a gente acaba se acostumando depois de um tempo. – Antônio falou alegremente.
- Então, o que o senhor gostaria de falar comigo? – Victoria perguntou envergonhada o que fez Luciano e Antônio rirem.
- Então filha, meu antecessor disse que vocês sempre fazem missas e cultos ecumênicos no colégio?
- Ah sim, preferimos assim para não priorizar nenhuma religião. Tentei falar com o rabino que sempre está muito ocupado, mas me deu umas ideias e disse estar disposto a algum dia fazer uma palestra no colégio. Já temos um pastor que sempre está por aqui, ele conversa com os alunos, e coisas assim, e a igreja sempre vem com uma missa ou algo do tipo. Acho importante a parte religiosa, mas sem ser imposição entende?
- Claro filha. Posso, mais tarde, se você gostar, falar com o rabino e o pastor para mostrar as diferenças e semelhanças entre as religiões.
- Isso seria... maravilhoso, Padre. Eu vou adorar isso.
- Vou começar a ver isso então... – Padre Antônio parou de falar se sentindo incomodado.
- Algum problema? – Luciano perguntou dando-lhe um copo de água.
- Tem algum problema aqui. – Ele não estava perguntando – E vocês não sabem como resolver isso. – Victoria e Luciano apenas se olharam em silêncio. – Alguém pode me dizer o que está acontecendo?
- Por que o senhor está perguntando isso?
- Filha, por favor. Já sou um homem vivido. Sei que vocês estão aqui com uma tarefa especial. Eu também sei que vocês sentem essa mesma energia ruim pairando sobre o colégio.
- O senhor... SENTE? – Victoria perguntou indo até ao lado de Antônio. – Então o senhor também é um...
- Um conselheiro? Sim, eu sou sim.
- Existem outros como nós? – Luciano perguntou ficando perto de Victoria e Antônio.
- Cristadelfianos? Não, infelizmente não. Poucos de vocês ainda se tem conhecimento, mas todos estão espalhados, escondidos ou até mesmo mortos.
- Preciso saber mais sobre nós.
- Calma filha. Com o tempo você saberá.
- Quem é o conselheiro de vocês?
- André, o que você está fazendo aqui? – Luciano falou rapidamente olhando a porta se abrir e ver André entrando pela porta.
- Eu sabia que havia sentido um cheiro estranho quando cheguei aqui, mas não imaginava que fosse ter surpresa tão agradável. – André falou sorrindo abraçando calorosamente o amigo deixando Victoria e Luciano sem entender muita coisa.

André passou algum tempo contando sua história para Luciano e Victoria. Ele falou que, quando chegou em São Paulo e foi para o seminário, poucos foram os alunos que falavam com ele. Antônio chegou uma semana depois e passou pelo mesmo problema. Então, logo os dois ficaram amigos. E a surpresa foi maior ainda quando descobriram que vinham da mesma cidade. A amizade só cresceu com os anos e mesmo distantes um do outro, pois ambos seguiram caminhos diferentes, sempre se correspondiam.

- Ele havia me falado que estava querendo vir passar por Manaus, mas não me disse a data. Por que? Eu teria ido lhe buscar no aeroporto.
- Não se preocupe com isso. Quer dizer que eles dois são seus novos discípulos?
- Sim. Mas venha, precisamos colocar a conversa em dia e Victoria precisa cuidar de um colégio inteiro.
- Antes de sair, Victoria, minha filha, pense no que lhe falei. Precisamos fazer alguma coisa contra essa força do mal.
- Força do Mal? Vocês estavam falando do Malak?
- Não André... Malak? Ainda o Malak? O que tem ele, achei que ele estivesse sido derrotado de vez.
- A Victoria é filha da Tereza. – André falou para Antônio desconcertado. – Venha tenho que conversar muitas coisas.
- Agora eu entendi. Victoria, vamos marcar uma missa para a semana que vem. É urgente. Malak não está aqui, mas mandou um de seus subordinados, disso eu tenho certeza. – Antônio falou saindo da sala junto com André.

Victoria e Luciano ficaram calados por um tempo. Ambos não sabiam direito o que havia acontecido. Malak não estava presente, mas havia mandado um dos subordinados? Qual, afinal, seria o plano dele?

- E agora, o que vamos fazer? – Perguntou Luciano ainda olhando para a porta.
- Chamar a Clarisse e pedir para ela fazer os banners para entregar aos alunos avisando da missa.
- Considere feito. – Luciano falou saindo da sala.
- Lu? – Victoria o chamou antes de ele fechar a porta.
- Sim.
- Tome cuidado! – Victoria falou sentindo que alguma coisa de ruim poderia acontecer com ele.
- Calma. Eu vou ficar bem.

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