Victoria
e Luciano ficaram algum tempo abraçados sem falar nada um para o outro. Luciano
esperou Victoria se acalmar. Com o tempo, ele a colocou sentada na cadeira da
mesa e ficou ajoelhado em sua frente. Ela estava de cabeça baixa com lágrimas
molhando seu rosto. Luciano apenas as enxugava com o toque delicado de seus
dedos.
- Não imagino o que deve estar sendo para
você saber disso, Vic. – Ele falou enfim. Ela não falou nada. Apenas suspirou
forte e fundo. – Você sabe que eu estou aqui, não sabe? – Victoria acenou
positivamente.
Olha, realmente não faço ideia do que possa estar
acontecendo aí dentro, mas você precisa ser forte, quem sabe não exista uma
forma de salvarmos a alma dela?
- Como Lu? Eu não sei mais o que eu
estou fazendo. Às vezes gostaria que nada disso tivesse acontecido, que nada
disso... – Ela voltou a chorar forte.
- Eu sei, eu sei, mas olha só, é o que
nós somos. Você se lembra que, das primeiras vezes, eu ficava apavorado? Dona
Tereza foi quem me falou que era o que nós éramos. Que o mal existe e que nós
éramos os únicos capazes de evitar que ele dominasse o mundo inteiro?
- Não pode haver somente nós.
- Sim, mas por
enquanto somos somente nós. Lembra da garotinha sorrindo para você depois que
você salvou a vida dela? Eu sei que você fica feliz com um final feliz. –
Luciano falou levantando o rosto de Victoria para que ela pudesse olhar direto
para ele. – Então... Onde está aquele sorriso que eu aprendi a am... Gostar? –
Victoria apenas sorriu para ele. Luciano fazia isso ser fácil. – Viu? Não foi
difícil. Bom, eu vou atrás de André pedir desculpas, acabei sendo duro demais
com ele. Volto já.
Luciano
saiu do escritório e foi atrás de André. Bateu à porta sem esperar resposta e
entrou. Ao entrar, viu André encostado na parede com a mão na barriga gemendo
baixo de dor. Ao olhar a cena, Luciano viu um frasco de remédio jogado no chão
do quarto. Ele correu, pôs André deitado na cama, pegou um comprimido e
entregou a André com um copo de água. Ele ficou ao lado dele esperando que o
remédio fizesse efeito. Enquanto esperava, leu o que estava escrito.
- Que remédio é esse? – Luciano
perguntou tentando ler o que estava escrito.
- Esse é só o composto orgânico. É um
remédio teste para câncer, Luciano.
- Câncer?
- No Cólon Ascendente. Sabe-se lá onde
fica isso.
- Isso quer dizer que você...
- Que eu vou morrer? Ah sim, já estou
conformado com isso. Só me incomoda essa maldita dor.
- Mas você pode sempre fazer cirurgia,
não?
- Inoperável, segundo meu médico.
- Você foi a uma segunda opinião?
- Eu não vou discutir com o médico que
cuida do Santo Padre. Acho que isso seria uma descortesia. – André falou rindo
deixando Luciano desconcertado. – Desculpe, quando estou assim preciso focar
minha energia em qualquer outra coisa para não pensar na dor.
- Dói muito? – Luciano perguntou baixo,
quase um sussurro.
- Só quando respiro.
- Pare com isso. Quando a Victoria souber
que você está doente... – Ele falou levantando.
- Por isso que vou lhe pedir para não
contar nada para ela. Não por enquanto. Ela já tem coisas demais na cabeça. –
Pediu André segurando forte no braço dele.
- André, eu não sei, ela...
- Filho, você a ama, eu sei e não quer
esconder nada dela, mas eu que preciso contar uma coisa assim para ela. E
contarei, mas no momento certo, tudo bem? Faça esse favor para um velho
moribundo, sim?
- Deixe disso! Você não é moribundo. –
Luciano falou leve rindo suspirando no final olhando André com afeição. – Tudo
bem, mas não demore, eu não sei mentir para ela.
- Claro, claro. Mas o que você veio
falar comigo?
- Vim... Lhe pedir desculpas por mais
cedo. Perdi a cabeça. Mas só de pensar na Vic chorando, eu...
- Luciano, escute. Vocês nasceram para
estar juntos. Vocês cuidam um do outro, vocês sentem o que o outro está
sentindo. Isso não é mais tão normal assim, não nos dias de hoje. O que vemos
são almas perdidas, e em consequência, infelizes. Agora eu consegui entender
muita coisa, do motivo de você estar aqui. Porque ela é como é e nunca lhe
afastou. Vocês são almas gêmeas, e acredite, uma ligação assim é sempre, SEMPRE
mais forte que qualquer força do mal.
- Mas a Vic está completamente fechada
para...
- Ela ainda não entendeu que ama você.
Por isso ela age como age. Na verdade, acho que apenas ela está com medo de
admitir o óbvio. Deu para perceber que ela tem essa tendência. De negar o que
está bem em frente a ela.
- Sim, ela tem sim. – Luciano falou de
forma carinhosa.
- E você a ama por isso.
- Também, mas mesmo com tudo que
aconteceu com ela, ela ainda espera o melhor das pessoas. Eu não sou assim.
Gostaria de ser, mas sempre espero o pior de tudo e todos. Eu sei como a
humanidade se comporta, André. Não há mais lugar para pessoas boas nesse mundo.
- A Victoria é uma alma única, Luciano.
Não se culpe. Nem eu, nem você, nem ninguém, conseguirá ser como ela. Mas você
a ama, e isso é algo incrivelmente forte. E eu lhe digo, acredite na força
desse amor que você carrega em seu coração. Li, certa vez em um livro, que o
amor é a única força que cria uma barreira forte o bastante para afastar o mal.
- Então, quer dizer, que os padres leem
Harry Potter? – Luciano perguntou com um sorriso cínico no rosto.
- Não fale isso
em voz alta. O Vaticano não gosta muito dessa coisa de bruxaria. – André falou
rindo, já quase adormecendo. – Fique perto dela. Agora eu preciso dormir. Esse
remédio tem esse dom. – Ele falou adormecendo.
Silenciosamente
Luciano deixa o quarto. Vai para o quarto de hóspedes onde já havia tomado
posse, e arrumou algumas mudas de roupa que trouxe. Pagou as contas on line e foi preparar algo para comer.
Ao passar pela sala viu Victoria encolhida no sofá. Ainda pensou em acordá-la,
mas fazia dias que ela não dormia direito. Ele aproximou e a cobriu. Ficou
encarando o sono tranquilo e constante de Victoria.
- Eu amo você.
- Ele falou baixo beijando sua testa e
indo para seu próprio quarto dormir.
No
dia seguinte, Victoria e Luciano chegaram juntos o que causou murmurinho de
todos no colégio, até mesmo dos alunos. Victoria revirava os olhos sempre que
notava um olhar diferente. Chamou todos os professores na sala de reuniões. Ela
queria todos presentes para a apresentação formal de Paulo.
À
medida que os professores foram chegando, o porteiro avisava para guardarem
suas coisas e irem direto para a sala de reuniões. Alguns professores do turno
da tarde também se fizeram presente. Victoria detestava essa falta de
comprometimento. Suspirou fundo e começou.
- Bom dia a todos. – Victoria esperou o
murmurinho característico daquela hora da manhã. – Peço que me desculpem os
professores do turno da tarde... Pelo menos os que vieram, mas achei que seria
melhor fazer a reunião logo agora. Existem alguns pontos que precisamos
discutir e...
- O orçamento da nova quadra de
esportes? Ele foi aprovado? – Perguntou o professor de educação física.
Victoria havia adorado as ideias que ele deu e passou para seus superiores, mas
infelizmente ainda não havia recebido retorno.
- Infelizmente ainda não Leo, mas isso
está na minha lista de prioridades. O problema é que estamos na dependência a
alta cúpula dos ‘donos’ do colégio. Você sabe como é a burocracia do setor
privado. Chata e mais demorada que a do público.
- Obrigado. – Leo falou meio cabisbaixo.
Victoria entendia sua frustração.
- O motivo para eu reunir vocês aqui, é
que felizmente conseguimos um novo professor de matemática. O Ivo aqui não terá
que se desdobrar em acumular duas matérias.
- Já não era sem tempo. – Ele falou rindo.
- Pessoal, apresento a vocês o Professor
Paulo Najar, a partir de hoje ele fará parte dos quadros dos professores do
colégio. Deem boas-vindas a ele.
- Você já falou para ele como
trabalhamos? – Luciano perguntou sério. Victoria estranhou seu comportamento.
Geralmente ele é mais sociável e receptivo com pessoas estranhas que ela.
- A diretora já me passou como é a
disciplina do colégio e para mim não será problema, pois costumava dar aulas no
Colégio Militar, professor...?
- Luciano. Física. Seja... Bem vindo. –
Luciano falou apertando forte a mão de Paulo.
- Então, vamos
começar? Ao trabalho. Os professores da tarde podem me esperar em minha sala?
Quero ainda bater alguns pontos com vocês.
Victoria
sentou-se esperando que todos fossem para suas salas. Alguns ainda perguntaram
dela se estava tudo bem, ela falava apenas que era uma noite mal dormida, mas
que logo ficaria bem. Luciano chegou perto dela visivelmente preocupado.
- Você não está bem, não é? Não tomou
café novamente, aposto.
- Com o André lá em casa? Impossível.
Mas de alguma forma, eu estou fraca.
- Eu vou pegar um copo de água. Essa
reunião com o pessoal da tarde é mesmo necessária?
- Luciano...
- Tá, eu levo na sua sala.
- Desculpe professor, mas a diretora
está bem? – Paulo perguntou demonstrando preocupação chegando perto de Luciano
sem que ele notasse.
- Está sim, ela só não anda dormindo
direito. Obrigada.
- Vocês são um casal. – Ele não
perguntou.
- Está gostando do colégio? É seu
primeiro dia, mas já deu para se situar? Precisa de ajuda para chegar a sua
sala? – Luciano perguntou sorrindo, fugindo da resposta. Definitivamente ele
não gostava desse novo professor.
-Ah, sim, já
sei onde fica minha sala. Bem, preciso ir, meus alunos estão esperando. Cuide
bem dela, acho que ela precisará de forças no futuro. – Paulo falou misterioso
se afastando.
Luciano
ficou se perguntando o que ele quis dizer, mas logo esqueceu levando um copo de
suco de Goiaba para Victoria. Era o preferido dela. Quando estava entrando
avistou um padre perdido procurando alguma coisa.
- Bom dia padre, está precisando de
ajuda?
- Ah sim, filho. Sou o Padre Antônio. Da
igreja ao lado. Meu antecessor falou que ao chegar eu deveria vir aqui me
apresentar à... Como é mesmo o nome que ele me falou?
- Victoria?
- Sim, isso. Perdoe essa velha memória.
Eu poderia falar com ela?
- Claro. - Luciano levou o padre para conhecer Victória. Ao longe Paulo
analisava toda a cena.
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