segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

8.

Victoria e Luciano ficaram algum tempo abraçados sem falar nada um para o outro. Luciano esperou Victoria se acalmar. Com o tempo, ele a colocou sentada na cadeira da mesa e ficou ajoelhado em sua frente. Ela estava de cabeça baixa com lágrimas molhando seu rosto. Luciano apenas as enxugava com o toque delicado de seus dedos.

- Não imagino o que deve estar sendo para você saber disso, Vic. – Ele falou enfim. Ela não falou nada. Apenas suspirou forte e fundo. – Você sabe que eu estou aqui, não sabe? – Victoria acenou positivamente.
         Olha, realmente não faço ideia do que possa estar acontecendo aí dentro, mas você precisa ser forte, quem sabe não exista uma forma de salvarmos a alma dela?
- Como Lu? Eu não sei mais o que eu estou fazendo. Às vezes gostaria que nada disso tivesse acontecido, que nada disso... – Ela voltou a chorar forte.
- Eu sei, eu sei, mas olha só, é o que nós somos. Você se lembra que, das primeiras vezes, eu ficava apavorado? Dona Tereza foi quem me falou que era o que nós éramos. Que o mal existe e que nós éramos os únicos capazes de evitar que ele dominasse o mundo inteiro?
- Não pode haver somente nós.
- Sim, mas por enquanto somos somente nós. Lembra da garotinha sorrindo para você depois que você salvou a vida dela? Eu sei que você fica feliz com um final feliz. – Luciano falou levantando o rosto de Victoria para que ela pudesse olhar direto para ele. – Então... Onde está aquele sorriso que eu aprendi a am... Gostar? – Victoria apenas sorriu para ele. Luciano fazia isso ser fácil. – Viu? Não foi difícil. Bom, eu vou atrás de André pedir desculpas, acabei sendo duro demais com ele. Volto já. 

Luciano saiu do escritório e foi atrás de André. Bateu à porta sem esperar resposta e entrou. Ao entrar, viu André encostado na parede com a mão na barriga gemendo baixo de dor. Ao olhar a cena, Luciano viu um frasco de remédio jogado no chão do quarto. Ele correu, pôs André deitado na cama, pegou um comprimido e entregou a André com um copo de água. Ele ficou ao lado dele esperando que o remédio fizesse efeito. Enquanto esperava, leu o que estava escrito.

- Que remédio é esse? – Luciano perguntou tentando ler o que estava escrito.
- Esse é só o composto orgânico. É um remédio teste para câncer, Luciano.
- Câncer?
- No Cólon Ascendente. Sabe-se lá onde fica isso.
- Isso quer dizer que você...
- Que eu vou morrer? Ah sim, já estou conformado com isso. Só me incomoda essa maldita dor.
- Mas você pode sempre fazer cirurgia, não?
- Inoperável, segundo meu médico.
- Você foi a uma segunda opinião?
- Eu não vou discutir com o médico que cuida do Santo Padre. Acho que isso seria uma descortesia. – André falou rindo deixando Luciano desconcertado. – Desculpe, quando estou assim preciso focar minha energia em qualquer outra coisa para não pensar na dor.
- Dói muito? – Luciano perguntou baixo, quase um sussurro.
- Só quando respiro.
- Pare com isso. Quando a Victoria souber que você está doente... – Ele falou levantando.
- Por isso que vou lhe pedir para não contar nada para ela. Não por enquanto. Ela já tem coisas demais na cabeça. – Pediu André segurando forte no braço dele.
- André, eu não sei, ela...
- Filho, você a ama, eu sei e não quer esconder nada dela, mas eu que preciso contar uma coisa assim para ela. E contarei, mas no momento certo, tudo bem? Faça esse favor para um velho moribundo, sim?
- Deixe disso! Você não é moribundo. – Luciano falou leve rindo suspirando no final olhando André com afeição. – Tudo bem, mas não demore, eu não sei mentir para ela.
- Claro, claro. Mas o que você veio falar comigo?
- Vim... Lhe pedir desculpas por mais cedo. Perdi a cabeça. Mas só de pensar na Vic chorando, eu...
- Luciano, escute. Vocês nasceram para estar juntos. Vocês cuidam um do outro, vocês sentem o que o outro está sentindo. Isso não é mais tão normal assim, não nos dias de hoje. O que vemos são almas perdidas, e em consequência, infelizes. Agora eu consegui entender muita coisa, do motivo de você estar aqui. Porque ela é como é e nunca lhe afastou. Vocês são almas gêmeas, e acredite, uma ligação assim é sempre, SEMPRE mais forte que qualquer força do mal.
- Mas a Vic está completamente fechada para...
- Ela ainda não entendeu que ama você. Por isso ela age como age. Na verdade, acho que apenas ela está com medo de admitir o óbvio. Deu para perceber que ela tem essa tendência. De negar o que está bem em frente a ela.
- Sim, ela tem sim. – Luciano falou de forma carinhosa.
- E você a ama por isso.
- Também, mas mesmo com tudo que aconteceu com ela, ela ainda espera o melhor das pessoas. Eu não sou assim. Gostaria de ser, mas sempre espero o pior de tudo e todos. Eu sei como a humanidade se comporta, André. Não há mais lugar para pessoas boas nesse mundo.
- A Victoria é uma alma única, Luciano. Não se culpe. Nem eu, nem você, nem ninguém, conseguirá ser como ela. Mas você a ama, e isso é algo incrivelmente forte. E eu lhe digo, acredite na força desse amor que você carrega em seu coração. Li, certa vez em um livro, que o amor é a única força que cria uma barreira forte o bastante para afastar o mal.
- Então, quer dizer, que os padres leem Harry Potter? – Luciano perguntou com um sorriso cínico no rosto.
- Não fale isso em voz alta. O Vaticano não gosta muito dessa coisa de bruxaria. – André falou rindo, já quase adormecendo. – Fique perto dela. Agora eu preciso dormir. Esse remédio tem esse dom. – Ele falou adormecendo.

Silenciosamente Luciano deixa o quarto. Vai para o quarto de hóspedes onde já havia tomado posse, e arrumou algumas mudas de roupa que trouxe. Pagou as contas on line e foi preparar algo para comer. Ao passar pela sala viu Victoria encolhida no sofá. Ainda pensou em acordá-la, mas fazia dias que ela não dormia direito. Ele aproximou e a cobriu. Ficou encarando o sono tranquilo e constante de Victoria.

- Eu amo você. -  Ele falou baixo beijando sua testa e indo para seu próprio quarto dormir.

No dia seguinte, Victoria e Luciano chegaram juntos o que causou murmurinho de todos no colégio, até mesmo dos alunos. Victoria revirava os olhos sempre que notava um olhar diferente. Chamou todos os professores na sala de reuniões. Ela queria todos presentes para a apresentação formal de Paulo.

À medida que os professores foram chegando, o porteiro avisava para guardarem suas coisas e irem direto para a sala de reuniões. Alguns professores do turno da tarde também se fizeram presente. Victoria detestava essa falta de comprometimento. Suspirou fundo e começou.

- Bom dia a todos. – Victoria esperou o murmurinho característico daquela hora da manhã. – Peço que me desculpem os professores do turno da tarde... Pelo menos os que vieram, mas achei que seria melhor fazer a reunião logo agora. Existem alguns pontos que precisamos discutir e...
- O orçamento da nova quadra de esportes? Ele foi aprovado? – Perguntou o professor de educação física. Victoria havia adorado as ideias que ele deu e passou para seus superiores, mas infelizmente ainda não havia recebido retorno.
- Infelizmente ainda não Leo, mas isso está na minha lista de prioridades. O problema é que estamos na dependência a alta cúpula dos ‘donos’ do colégio. Você sabe como é a burocracia do setor privado. Chata e mais demorada que a do público.
- Obrigado. – Leo falou meio cabisbaixo. Victoria entendia sua frustração.
- O motivo para eu reunir vocês aqui, é que felizmente conseguimos um novo professor de matemática. O Ivo aqui não terá que se desdobrar em acumular duas matérias.
- Já não era sem tempo. – Ele falou rindo.
- Pessoal, apresento a vocês o Professor Paulo Najar, a partir de hoje ele fará parte dos quadros dos professores do colégio. Deem boas-vindas a ele.
- Você já falou para ele como trabalhamos? – Luciano perguntou sério. Victoria estranhou seu comportamento. Geralmente ele é mais sociável e receptivo com pessoas estranhas que ela.
- A diretora já me passou como é a disciplina do colégio e para mim não será problema, pois costumava dar aulas no Colégio Militar, professor...?
- Luciano. Física. Seja... Bem vindo. – Luciano falou apertando forte a mão de Paulo.
- Então, vamos começar? Ao trabalho. Os professores da tarde podem me esperar em minha sala? Quero ainda bater alguns pontos com vocês.

Victoria sentou-se esperando que todos fossem para suas salas. Alguns ainda perguntaram dela se estava tudo bem, ela falava apenas que era uma noite mal dormida, mas que logo ficaria bem. Luciano chegou perto dela visivelmente preocupado.

- Você não está bem, não é? Não tomou café novamente, aposto.
- Com o André lá em casa? Impossível. Mas de alguma forma, eu estou fraca.
- Eu vou pegar um copo de água. Essa reunião com o pessoal da tarde é mesmo necessária?
- Luciano...
- Tá, eu levo na sua sala.
- Desculpe professor, mas a diretora está bem? – Paulo perguntou demonstrando preocupação chegando perto de Luciano sem que ele notasse.
- Está sim, ela só não anda dormindo direito. Obrigada.
- Vocês são um casal. – Ele não perguntou.
- Está gostando do colégio? É seu primeiro dia, mas já deu para se situar? Precisa de ajuda para chegar a sua sala? – Luciano perguntou sorrindo, fugindo da resposta. Definitivamente ele não gostava desse novo professor.
-Ah, sim, já sei onde fica minha sala. Bem, preciso ir, meus alunos estão esperando. Cuide bem dela, acho que ela precisará de forças no futuro. – Paulo falou misterioso se afastando.

Luciano ficou se perguntando o que ele quis dizer, mas logo esqueceu levando um copo de suco de Goiaba para Victoria. Era o preferido dela. Quando estava entrando avistou um padre perdido procurando alguma coisa.

- Bom dia padre, está precisando de ajuda?
- Ah sim, filho. Sou o Padre Antônio. Da igreja ao lado. Meu antecessor falou que ao chegar eu deveria vir aqui me apresentar à... Como é mesmo o nome que ele me falou?
- Victoria?
- Sim, isso. Perdoe essa velha memória. Eu poderia falar com ela?
- Claro. - Luciano levou o padre para conhecer Victória. Ao longe Paulo analisava toda a cena.

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