quarta-feira, 14 de outubro de 2015

6.

O grupo chegou à chácara na sexta feira a noite. Eles não puderam ir pela parte do dia, pois Victoria e Luciano tiveram que se ocupar com assuntos relacionados ao colégio. A semana de provas estava no final e os dois teriam algumas obrigações que não poderiam ser ignoradas.

Assim que eles chegaram e se acomodaram, Victoria e Luciano foram procurar André. Ele estava no rio preparando todas as coisas para que a cerimônia acontecesse. Ambos teriam que estar em jejum, e seria logo no sábado pela manhã. Depois teriam um banquete a sua disposição.

Os amigos de André iam chegando aos poucos. Todos reclamando da falta de informação para chegar ao local. André só fazia rir enquanto os recebia com cordial abraço. Na hora do jantar, todos já haviam sidos apresentados. Victoria e Luciano ainda estavam se sentindo deslocados e sempre ficaram perto um do outro. André tentava os acalmar, dizendo que eles estavam rodeados de amigos.

Victoria reconheceu alguns padres de sua infância, já com idades avançadas. Isso a deixou um pouco triste, mas ao mesmo tempo feliz de poder vê-los mais uma vez. Soube que alguns haviam mudado de congregação, outros estavam morando na Itália e alguns apenas haviam se aposentado. Ela perdeu as contas de quantas vezes foi abençoada.

Já passava da nove da noite quanto todos haviam se recolhido para seus quartos, não antes de uma bonita cerimônia religiosa. Victória se revirava na cama, estava com a cabeça cheia de perguntas para que pudesse dormir. Se levantou, vestiu uma bermuda e uma camiseta, pegou seus cigarros e foi caminhar um pouco pelo lugar.

Era um lugar calmo, tranquilo, cheio de árvores frutíferas. Sem se perceber, chegou até o rio, e se sentou num pequeno pedaço de madeira que havia na margem. Acendeu um cigarro e fumou lentamente, pensando no quanto sua vida havia mudado desde que sua mãe morrera. Deu uma mordida num Jambo que havia pego no caminho. Foi quando escutou um barulho e assustada se levantou, se desequilibrando e caindo no rio. Foi o tempo de ver Luciano chegando perto rindo.

- Desculpe se a assustei. – Falou ele depois de ajudá-la a se levantar.
- Porra Luciano, avisa da próxima vez. – Victoria falou espremendo o cabelo e voltando a se sentar no tronco.
- Você também estava sem conseguir dormir. Vi quando você se levantou. Resolvi passar para saber se estava tudo bem.
- Sim, está. Fiquei pensando no que está acontecendo com a gente.
- Também tenho tido esse tipo de pensamento. – Luciano falou sentando-se ao lado dela. – O que você acha desse André? Quero dizer, mal tivemos tempo de digerir tudo isso. Uma hora estávamos na sua casa, agora estamos aqui, no meio da floresta, sob essa lua... Você já viu como a lua está bonita esses últimos tempos?
- É... – Falou Victoria espirrando. Luciano tirou sua camisa e colocou em seus ombros. – Não precisa...
- Vic, deixa de ser chata e aceite isso. – Luciano falou colocando a blusa nos ombros dela.
- Obrigada, mas você sabe...
- Que você não precisa desse tipo de cuidado. Sei sim... – Ele falou deixando algo no ar.
- Eu sei que sou difícil, mas...
- Vic, você não precisa se explicar para mim. Não para mim. Eu entendo seu jeito. E se estou aqui, quer dizer que não ligo muito para ele. Eu conheço a verdadeira Victoria. Ela só está perdida em algum canto desse coração fechado.

Victoria sabia que ele estava com a razão, mas desde o casamento, ela se sentia estranha todas as vezes que ele estava por perto. Ela queria estar perto dele, mas ao mesmo tempo, quanto mais longe dele estivesse, melhor. Para Victoria, que sempre soube o que se passava dentro dela, esse conflito era angustiante.

- Então, preparada para amanhã de manhã? – Luciano perguntou tirando-a de seus pensamentos.
- Ai Lu, não sei. Sinceramente, não sei nem o que eu estou fazendo aqui. – Victoria demonstrou, pela primeira vez, sua frustração. – Quero dizer, não que eu não esteja gostando, mas... – Ela parou suspirando.
- Ei, o que quer que aconteça a partir de amanhã, saiba que você nunca estará sozinha, tudo bem? – Luciano falou colocando as mãos em seus ombros. Isso trouxe uma onda de alívio em Victoria que instintivamente, ela se recostou em seu ombro.
- Obrigada. Não saberia o que fazer se você não estivesse comigo.
- Nunca irei embora! – Ele falou abraçando-a forte.

No dia seguinte, Victoria e Luciano levantaram cedo. Tomaram um banho e vestiram suas roupas. Basicamente era uma camisola que ia até o pé, no estilo medieval. Victoria olhou aquele vestido branco que estava vestindo e se sentiu desconfortável. Mesmo estando com uma roupa de banho por baixo, o branco não era a sua cor preferida. Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo, suspirou e saiu para encontrar Luciano e André que já a estavam esperando.

Pela ordem ela seria depois de Luciano. A cerimônia começou com um pai nosso e uma ave Maria. Todos de mãos dadas e vestindo branco. Luciano estava com a mesma camisola que Victoria, aparentemente, não havia diferença entre homens e mulheres neste quesito. Victoria assistiu Luciano ser completamente submergido por André enquanto os outros padres formavam um círculo ao redor dos dois. Foi algo simples, mas muito, muito bonito.

Quando foi a sua vez, Luciano passou por ela e a beijou na testa. Ele estava com frio, mas estava com a expressão tranquila. Ele estava em paz. Assim que Victoria colocou os pés na água, entendeu porque Luciano saiu tremendo. Parecia que ela estava entrando num barril com gelo. Seu corpo todo se arrepiou. André a pegou pela mão, abraçando-a forte.

- Não se preocupe criança, isso logo vai passar. – Ele falou beijando sua testa e fazendo o sinal da cruz com a água benta que havia levado. – Agora cruze seus braços na altura do peito.

Ele a segurou pela cintura. De longe Luciano sorria para ela. Seu sorriso a acalmou. Ela não entendia porque estava tão nervosa. Sob cânticos e orações, Victoria foi completamente submergida nas águas escuras do rio. A cerimônia não durou mais que algumas horas, mas para ela, parecia que havia sido a manhã inteira.
O sol já estava alto quando todos sentaram à mesa para um delicioso café da manhã. Victoria se percebeu com fome e comeu tudo que tinha direito. Afinal de contas, depois disso tudo, eles iriam aproveitar para descansar e aprimorar mais os seus conhecimentos.

Não longe dali, em um pequeno vilarejo, algo muito ruim estava acontecendo com uma garotinha. A dias ela não comia nada, e amanheceu falando coisas estranhas, assustando seus pais e irmãos. Ela insistia em falar com uma tal de Victoria.

No sitio, sem saber de nada, Luciano tenta encontrar alguma forma de sempre estar perto de Victoria. Ele nunca havia notado o quanto ficava feliz ao estar perto dela, e como ela era bonita. E sempre que se lembrava da forma como ela ficou em seus braços no casamento, ele desejava ter mais uma oportunidade.

Ele sabia que Victoria ainda estava magoada devido ao seu último relacionamento e tentava respeitar esse momento, mas a cada dia que passava, ficava mais e mais apaixonado e temia que logo não conseguisse mais esconder isso. Várias vezes, ele notou que André o pegou admirando Victoria. Era constrangedor.

Passava das três da tarde quando André chegou perto dele, com uma expressão preocupada. Logo que o viu, Luciano soube que as horas de repouso haviam acabado. Então, ele se levantou da rede em que estava e foi buscar Victoria. Era hora de trabalhar.

Eles chegaram ao local em poucos minutos. Não ficava tão longe como Victória pensou inicialmente. Quando chegaram, o povoado estava naquele momento de silêncio incômodo. André e Luciano desceram com Victoria atrás. De alguma forma, ela sentiu que os dois a estavam protegendo, e ela não entendia porque. Isso a irritava profundamente.

- Está muito silencioso, não acham? – Ela perguntou olhando ao redor. – É como se todo o som tivesse sido sugado do ar.

Ambos concordaram com um aceno silencioso de cabeça. Uma senhora se aproximou deles. Era uma velha índia. Ela se aproximou lentamente, olhando diretamente para Victoria como se já a conhecesse.

- Por aqui, filha. – A senhora falou diretamente para Victória.
- A senhora sabe quem nós somos? – André perguntou surpreso.
- Vocês são os enviados. Você o conselheiro. Ele o anjo e ela a salvadora. Agora, vamos.

O grupo se olhou durante alguns segundos, mas acabaram por seguir a velha. Eles chegaram numa parte mais afastada do vilarejo. Era uma espécie de bairro de casinhas de sapê. Na última casa da rua, Victória avistou o que ela supôs ser o fogo vermelho.

- Mas isso é impossível. Uma casa toda?
- Não filha, é uma criança.
- Mas... Ele não possui crianças. E como uma criança foi capaz de criar um fogo assim tão forte? – Victoria falou olhando para André.
- Não o culpe, quem vocês caçam está mais forte.

Luciano já estava com sua pasta aberta. Ele estava procurando todos os vidros de elixir que tinha em mãos. Victória já estava com seu terço e a antiga bíblia de sua mãe em mãos. Rezou um pai nosso e uma ave Maria antes de entrar. O cheiro de enxofre estava tão forte que eles sentiram ainda fora da casa.

- Eu odeio esse cheiro. – Luciano falou colocando um lenço perto do nariz.

Quando entraram na casa, Victoria notou uma família assustada. Sorriu para o que supôs ser a mãe da criança. Fez uma reverência e entrou. A menina não possuía mais de doze anos.

- Ora, ora, se não é a minha amiga Victória. Viu como eu fiquei mais forte? – A voz de Malak estava mais nítida. Quase não se escutava a voz da menina.
- É, aparentemente, você atrapalhou o que seria um ótimo final de semana. – Ela falou irritada.
- Ótimo? Com esse fraco ao seu lado? – Ele falou rindo. Foi quando avistou André. – Mas o que temos aqui? Meu velho inimigo. Sentiu minha falta? – André não deu ouvidos a ele.
- Victória, cuidado. – Luciano falou preocupado.
- Olha só. O eterno apaixonado, mas nunca correspondido.... Patético.
- Cale a boca, demônio. – Luciano gritou irritado.
- Não lhe dê ouvidos, Luciano. É isso que ele quer.
- E tu achas mesmo que vais me vencer? Velho e logo vai morrer.
- Posso não te vencer, mas a Victória vai.
- Quem ela? A alma dela está condenada... Mas que força é essa? Por que ela está brilhando.
- TU não tens força nessa casa, demônio. EU te ordeno, Malak, sai dessa menina. Sai dessa casa e nunca mais voltes. – Victoria falava um pouco mais alto que um suspiro jogando um elixir que Luciano lhe entregou.
- Mas o que está acontecendo? Por que a putinha está forte? Isso queima, está queimando.
- Vais embora, Malak. Meu Deus, meu misericordioso Deus, ordena para ires embora daqui.
- Teu Deus? Nem teu Deus pode te salvar do teu destino. Tua alma é nossa. – Ele gritou antes de sumir de vez e as pessoas passarem a escutar o choro da menina.

Luciano correu e pegou a menina no colo. Ela chorava assustada, mas no geral estava bem, só com alguns arranhões. Luciano a lavou com um banho que ele aprendeu tempos atrás, ajudado pela velha senhora. Logo a menina adormeceu. A família era só agradecimentos aos três.

Victoria estava fazendo umas rezas e deixando algumas ervas para a mãe proteger melhor a casa com a ajuda da velha índia, foi quando ela sentiu o mundo todo girar. Enquanto Luciano e André agradeciam os presentes, Victória desmaiou. Ela nunca havia usado uma carga de energia tão grande assim. Assim que ela viu que Malak realmente havia ido embora, desabou. Luciano correu para perto dela, preocupado. Ele a carregou e a colocou delicadamente em uma cama.

- Victoria? Vic? Vai, acorda, acorda, por favor. – Ele não escondia o desespero na voz.
- Calma Luciano, ela está bem, ela só consumiu mais energia do que ela estava acostumada. O batizado faz isso. Você não notou que seu elixir funcionou mais rápido? Vocês agora têm uma proteção extra.
- Não André, olha como ela está pálida! Vic.. – Ele falava baixo, passando um pouco do elixir na testa dela.

Aos poucos Victória foi acordando. Ela estava bem, apenas com uma dor de cabeça forte demais. O grupo agradeceu a hospitalidade. A velha senhora ainda rezou na testa de Victoria para que ela tivesse sorte em sua tarefa e deu um dente de javali numa linda pulseira. 

- Use sempre. É uma proteção dos deuses da floresta. Se puder não tire nunca. Você tem uma grande tarefa pela frente filha. Confie nos seus amigos e nos seus sentimentos. – A velha falou abraçando-a. Victoria agradeceu com verdadeira afeição.

            Depois de agradecer e Luciano prometer que voltaria para aprender mais sobre as ervas da floresta, o grupo voltou à chácara. Victoria estava cansada demais para uma conversa complexa. Foi se deitar cedo. Adormeceu com as palavras de Malak na cabeça.

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