sexta-feira, 9 de outubro de 2015

5.

Victoria e Luciano iniciaram o “treinamento” há uma semana, o que se resumia, basicamente em apenas ler a Bíblia. Quando André entregou a cada um uma bíblia, eles questionaram o motivo da perda de tempo. Ele explicou que, ao conhecer profundamente a bíblia, os demônios têm pouco poder sobre os caçadores e eles estavam atrasados nesse quesito, porém depois de terem aprendido todas os caminhos no livro, eles começariam o treinamento com armas de verdades, em sua maioria purificadas com água benta.

Luciano mostrou suas anotações sobre os vários elixires que ele criou com o passar do tempo, com ervas medicinais da região. André se surpreendeu com o conhecimento dele. Ele explicou que, quando criança, ele e o pai passavam muito tempo no interior, pois era biólogo. André falou que isso foi muito importante para auxiliar Victoria e sugeriu que ele fizesse com água benta, assim, os poderes seriam melhores aproveitados na purificação.

Assim que André terminou de falar, Luciano se recolheu ao seu pequeno quarto, que Victoria chamava de laboratório maluco, para seguir os conselhos de André. Ela, por sua vez, ficou lendo quase todos as escrituras, principalmente Gênesis, Isaias, Ezequiel e Marcos. Eram os que mais comentavam sobre como combate-los. Quando procurou algo no antigo testamento, quase não achou nada, então, baseou sua pesquisa no novo testamento e nas escrituras sagradas.

Passada duas semanas, André reuniu os dois na sala de estar. Ele sabia que tanto Victoria, quanto Luciano precisavam tirar muitas dúvidas antes de continuar o treinamento. Só não sabia como falar antes que eles tivessem esses conhecimentos.

- Por que estamos aqui? – Luciano perguntou ainda mordendo o sanduíche do café da manhã.
- Vocês precisam ter todas as informações, e isso inclui saber quem vocês são.
- Quem nós somos? Como assim?
- Victoria, você nunca quis saber do motivo pelo qual você consegue ver tudo o que você vê? E por que você, Luciano, está no meio disso tudo?
- Achei que fosse porque fomos criados nesse mundo. – Falou Victoria dando de ombros.
- Também, mas isso não é tudo. Vejam, hoje no mundo existe muito pouco de vocês, já que a humanidade deixa, cada vez mais, de acreditar em Deus e no Diabo, o que não quer dizer que eles não acreditem na humanidade ou que tentem arruniná-la. Aliás, as pessoas estão fazendo um favor à satanás não acreditando mais nele. Seu trabalho fica mais fácil, já que, se não se acredita numa coisa, deixa-se de se preocupar com ela e consequentemente, ficamos desprotegidos. Por isso que hoje em dia, vocês têm tido muito trabalho, e também o motivo de eu estar aqui.
- Isso tudo é muito bonito, mas, o que nós somos, então?
- Vocês fazem parte de um segmento da Igreja que é muito mais secreta que as antigas sociedades como o Priorado de Sião.
- Tá, eu li o livro, mas o que nós somos, então?
- Vic, o Priorado existiu, isso é fato, não é fantasia de um autor maluco que achou que Jesus teve uma filha e que sua descendente anda por nós. Vocês dois são chamados de Cristadelfianos. Existe mais de vocês, não muitos,  nos Estados Unidos e no Reino Unido.
- Eu já ouvi falar deles, são uma linha cristã que se baseia 100% na Bíblia, não? Que somente os adultos são batizados e isso implica vestir-se todo de branco e ser mergulhado completamente no leito de um rio. E que não acreditam que exista uma trindade, como o Pai, filho e espírito santo.
- É. Isso é o que o “Marketing” faz parecer. Vocês são uma casta que desde tempos imemoriais caçam e lutam contra toda e qualquer força do mal.
- O que, vai dizer que além de demônios, existem também vampiros e lobisomens?
- Claro que não Victória. Eles se concentram mais no sul e sudeste do país devido ao clima mais propício para eles. Mas no norte e nordeste existem outros tipos de forças. Particularmente, detesto ter que enfrentar o Saci ou Curupira. Aqueles pés para trás me dão nos nervos.

Luciano e Victoria se olharam e caíram na gargalhada. André, teve que se controlar. Ele ainda não entendia porque as pessoas acreditavam e expulsavam demônios e não em outros seres da floresta. Assim que Victoria olhou o jeito que André estava foi se acalmando até não rir mais. De alguma forma, a expressão no rosto dele a fizera entender que eles eram reais e que, consequentemente, não teriam nada a ver com o que eles dois estavam acostumados.

- Você está realmente me falando que vampiros e o curupira existem?
- Sim.
- Com presas, atrás de sangue e tudo o mais?
- E não esqueçam dos pés para trás. Sim.
- Sangue humano? – Perguntou Luciano ficando sério no mesmo instante.
- Sim.
- Você está me dizendo que existem seres sombrios que vão atrás de sangue para se alimentar? – Luciano ainda estava cético.
- Luciano, você caça demônios, por que não pode acreditar que esses serem existem?
- Porque isso é coisa fantástica demais...
- Assim como caçar demônios, não? – André falou sorrindo de uma maneira que fez Luciano entender que não era brincadeira. Uma expressão cansada, pensou Victoria.

Os dois se olharam sérios. Agora eles haviam entendido da importância de André. E era lógico, se demônios existiam, por que não vampiros, lobisomens, sacis e tudo o mais? Apesar de ser algo ainda de difícil compreensão para Victoria.

- O que mais podemos saber sobre os Crista... Como é mesmo o nome?
- Cristadelfianos. Vocês terão que aprender a falar o nome antes de qualquer coisa. – André falou suspirando.
- Então nós somos Cristadelfianos e...
- A Victória é uma cristadelfiana, você Soceniano. Ou como os demônios chamam Ashipu e Ashu nessa ordem.
- Por que essa diferença?
- Porque você, Victoria, enxerga os demônios, Ashipu. E por ser, o que chamamos de completa, você recebeu essa denominação. O Luciano não teve o processo completo, mas sente a presença maligna, os socenianos são o segundo no comando da casta.
- E por que ele não é completo?
- Existem vários motivos para que isso tenha acontecido, e para que possamos saber, até porque, isso será uma forma de Malak tentar atingi-los, você, Luciano precisa ir à biblioteca pública atrás de qualquer informação que você achar pertinente.
- E eu começo por onde?
- Sugiro em livros sobre o tema, seja ficção, seja realidade, seja religioso. Caso lá não tenha, depois vamos à livraria atrás de algum na sessão de religião, certo? E eu não estou falando em nenhuma que se encontre facilmente.
- Esse tipo de lugar existe em Manaus?
- Sim, é só saber procurar. – André piscou.
- E a Vic?
- Ela vai ficar e ler mais um pouco da bíblia.

Luciano chegou com alguns exemplares, os que ele pode pegar emprestado, em sua maioria ficção, aventura e terror. A maioria não explicava muito do motivo que ele era incompleto. Aquela informação estava deixando Luciano incomodado. Como assim incompleto? E por que ele era assim?

André pediu para que ele lesse o primeiro tirando-o de sua concentração. Era a história de uma cidadezinha dos Estados Unidos onde um demônio possuía particularmente crianças. André refletiu algum tempo e pediu para Luciano ver os outros. Malak não gostava muito de crianças. Elas, apesar de serem mais desprotegidas, necessitavam de uma quantidade de energia grande para possui-las devido ao grau de pureza de suas almas.

Luciano e Victoria se entreolharam sem entender e André explicou que, quanto mais pura a alma, mais quantidade de energia maligna para possui-la e Malak era poderoso, mas ainda, pelo que André notou, não conseguiu concentrar energia suficiente para uma criança.

- Mas, se é necessário uma quantidade de pureza baixa, por que minha tia foi possuída tão facilmente? Ela que vivia indo à igreja. Era quase uma ornamentação de lá.
- Victoria, pureza da alma não está ligado com o grau de comprometimento de uma pessoa com sua congregação. Sua tia possuía uma fé inabalável, o que é bom, mas não é uma proteção muito forte. A pureza da alma também não está ligada com promiscuidade ou coisa do tipo, e sim o quanto a pessoa sofreu, o quanto de desilusão a pessoa sofreu em sua existência. Se não me engano, pelo que sua mãe contava, sua tia teve perdas de pessoas importantes na vida, não?
- Sim, primeiro foram meus avós, a mãe dizia que a tia foi quem mais sofreu com a morte deles.
- E do seu primo, não foi?
- A mamãe contou isso?
- Contou sim.
- Minha tia nunca se recuperou por completo do acidente que levou o Ric.
- Aquele seu primo que vivia vindo aqui na sua casa para brincar com a gente quando crianças, Vic? O que morreu de acidente de carro?
- Ele mesmo. O que levou minha tia a...
- A tentar o suicídio, não?
- Sim. – Victória se sentia desconfortável por ver que sua mãe havia contato todas as coisas que ela tentava deixar guardado. Ela ainda sentia falta do primo.
- Então, quando uma pessoa tenta o suicídio sua alma perde a proteção de pureza que ela tem. Isso somado à perda foi suficiente para que ela se tornasse um alvo fácil. Só não aconteceu mais cedo porque eles fazem isso quando lhes convém e também porque eles não têm uma lista de pessoas com tais características. E sua tia teve o plus de ter fé, e isso ajudou um pouco.
-O suicídio é tido como um crime grave para os cristãos e...
- Se acontecer a alma da pessoa vai para o inferno eternamente. É isso mesmo Luciano.
- Fiz a primeira comunhão. Isso deveria valer de alguma coisa sobre essa coisa de incompleto, não?
- Não se preocupe com isso, pelo menos por enquanto. O fato de você ser incompleto só te impede de ver quando as possessões acontecem, mas você sente, e isso é bem mais interessante, pois as sensações da presença de demônios aparecem bem antes de eles aparecerem.
- Eu sei, mas...
- No momento certo, você vai saber o motivo, Luciano. Não coloque os carros na frente dos bois, tudo bem? Agora, vamos voltar para as pesquisas?

Lá pelo meio da tarde, Luciano desceu ao porão da mãe de Victoria atrás dos cadernos. Ele havia esquecido o quando Tereza era organizada até mesmo em seus escritos. Nas caixas havia cadernos a perder de vistas, todos escritos impecavelmente cronologicamente sobre os demônios que ela enfrentou. Enquanto procurava, alguns cadernos caíram em sua cabeça.

Depois de soltar alguns palavrões ele leu o que estava na capa e correu para a sala onde estavam André e Victória. Era um caderno falando mais sobre os Cristadelfianos.

No caderno era basicamente um projeto de vida para Victória e Luciano. Eles teriam que se batizar à maneira dos Cristadelfianos. A idade não estava descrita, e quando Victoria perguntou sobre estar muito velha para a cerimônia, André respondeu que não havia idade certa para isso, desde que a pessoa já fosse adulta, a qualquer momento, poderia se batizar. Precisava ser em água corrente e André tinha o local perfeito para isso.

Eles ainda teriam que estudar um pouco mais, mas a maior parte Tereza já havia feito, André só precisaria de tempo para arrumar tudo, chamar alguns amigos para poder realizar a cerimônia tranquilamente. Luciano e Victória, mesmo estando um pouco apreensivos, sabiam que isso era uma etapa importante para derrotar definitivamente Malak. Pouco depois das sete da noite, André voltou com a informação de que a chácara estaria pronta. Ele deu alguns telefonemas. Em sua maioria amigos de André, padres e ex padres convidando-os para o final de semana.

Pelo que Victoria entendeu, quanto mais religiosos estivessem presentes, mais forte seriam os laços que criariam e mais forte seria a proteção de Luciano e Victoria.
Os três pararam o que estavam fazendo, e saíram para jantar. No final de semana, os três partiram para uma chácara que André herdou dos pais.

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