Victoria
e Luciano iniciaram o “treinamento” há uma semana, o que se resumia,
basicamente em apenas ler a Bíblia. Quando André entregou a cada um uma bíblia,
eles questionaram o motivo da perda de tempo. Ele explicou que, ao conhecer
profundamente a bíblia, os demônios têm pouco poder sobre os caçadores e eles
estavam atrasados nesse quesito, porém depois de terem aprendido todas os
caminhos no livro, eles começariam o treinamento com armas de verdades, em sua
maioria purificadas com água benta.
Luciano
mostrou suas anotações sobre os vários elixires que ele criou com o passar do
tempo, com ervas medicinais da região. André se surpreendeu com o conhecimento
dele. Ele explicou que, quando criança, ele e o pai passavam muito tempo no
interior, pois era biólogo. André falou que isso foi muito importante para
auxiliar Victoria e sugeriu que ele fizesse com água benta, assim, os poderes
seriam melhores aproveitados na purificação.
Assim
que André terminou de falar, Luciano se recolheu ao seu pequeno quarto, que
Victoria chamava de laboratório maluco, para seguir os conselhos de André. Ela, por sua vez, ficou lendo quase todos as escrituras, principalmente Gênesis, Isaias,
Ezequiel e Marcos. Eram os que mais comentavam sobre como combate-los. Quando
procurou algo no antigo testamento, quase não achou nada, então,
baseou sua pesquisa no novo testamento e nas escrituras sagradas.
Passada
duas semanas, André reuniu os dois na sala de estar. Ele sabia que tanto
Victoria, quanto Luciano precisavam tirar muitas dúvidas antes de continuar o
treinamento. Só não sabia como falar antes que eles tivessem esses
conhecimentos.
- Por que estamos aqui? – Luciano
perguntou ainda mordendo o sanduíche do café da manhã.
- Vocês precisam ter todas as
informações, e isso inclui saber quem vocês são.
- Quem nós somos? Como assim?
- Victoria, você nunca quis saber do
motivo pelo qual você consegue ver tudo o que você vê? E por que você, Luciano,
está no meio disso tudo?
- Achei que fosse porque fomos criados
nesse mundo. – Falou Victoria dando de ombros.
- Também, mas isso não é tudo. Vejam,
hoje no mundo existe muito pouco de vocês, já que a humanidade deixa, cada vez
mais, de acreditar em Deus e no Diabo, o que não quer dizer que eles não
acreditem na humanidade ou que tentem arruniná-la. Aliás, as pessoas estão fazendo um favor à satanás não
acreditando mais nele. Seu trabalho fica mais fácil, já que, se não se acredita
numa coisa, deixa-se de se preocupar com ela e consequentemente, ficamos
desprotegidos. Por isso que hoje em dia, vocês têm tido muito trabalho, e
também o motivo de eu estar aqui.
- Isso tudo é muito bonito, mas, o que
nós somos, então?
- Vocês fazem parte de um segmento da
Igreja que é muito mais secreta que as antigas sociedades como o Priorado de
Sião.
- Tá, eu li o livro, mas o que nós
somos, então?
- Vic, o Priorado existiu, isso é fato,
não é fantasia de um autor maluco que achou que Jesus teve uma filha e que sua
descendente anda por nós. Vocês dois são chamados de Cristadelfianos. Existe
mais de vocês, não muitos, nos Estados
Unidos e no Reino Unido.
- Eu já ouvi falar deles, são uma linha
cristã que se baseia 100% na Bíblia, não? Que somente os adultos são batizados
e isso implica vestir-se todo de branco e ser mergulhado completamente no leito
de um rio. E que não acreditam que exista uma trindade, como o Pai, filho e
espírito santo.
- É. Isso é o que o “Marketing” faz parecer.
Vocês são uma casta que desde tempos imemoriais caçam e lutam contra toda e
qualquer força do mal.
- O que, vai dizer que além de demônios,
existem também vampiros e lobisomens?
- Claro que não
Victória. Eles se concentram mais no sul e sudeste do país devido ao clima mais
propício para eles. Mas no norte e nordeste existem outros tipos de forças.
Particularmente, detesto ter que enfrentar o Saci ou Curupira. Aqueles pés para
trás me dão nos nervos.
Luciano
e Victoria se olharam e caíram na gargalhada. André, teve que se controlar. Ele
ainda não entendia porque as pessoas acreditavam e expulsavam demônios e não em
outros seres da floresta. Assim que Victoria olhou o jeito que André estava foi
se acalmando até não rir mais. De alguma forma, a expressão no rosto dele a
fizera entender que eles eram reais e que, consequentemente, não teriam nada a
ver com o que eles dois estavam acostumados.
- Você está realmente me falando que
vampiros e o curupira existem?
- Sim.
- Com presas, atrás de sangue e tudo o
mais?
- E não esqueçam dos pés para trás. Sim.
- Sangue humano? – Perguntou Luciano
ficando sério no mesmo instante.
- Sim.
- Você está me dizendo que existem seres
sombrios que vão atrás de sangue para se alimentar? – Luciano ainda estava
cético.
- Luciano, você caça demônios, por que
não pode acreditar que esses serem existem?
- Porque isso é coisa fantástica
demais...
- Assim como
caçar demônios, não? – André falou sorrindo de uma maneira que fez Luciano
entender que não era brincadeira. Uma expressão cansada, pensou Victoria.
Os
dois se olharam sérios. Agora eles haviam entendido da importância de André. E
era lógico, se demônios existiam, por que não vampiros, lobisomens, sacis e
tudo o mais? Apesar de ser algo ainda de difícil compreensão para Victoria.
- O que mais podemos saber sobre os Crista...
Como é mesmo o nome?
- Cristadelfianos. Vocês terão que
aprender a falar o nome antes de qualquer coisa. – André falou suspirando.
- Então nós somos Cristadelfianos e...
- A Victória é uma cristadelfiana, você
Soceniano. Ou como os demônios chamam Ashipu e Ashu nessa ordem.
- Por que essa diferença?
- Porque você, Victoria, enxerga os
demônios, Ashipu. E por ser, o que chamamos de completa, você recebeu essa
denominação. O Luciano não teve o processo completo, mas sente a presença
maligna, os socenianos são o segundo no comando da casta.
- E por que ele não é completo?
- Existem vários motivos para que isso
tenha acontecido, e para que possamos saber, até porque, isso será uma forma de
Malak tentar atingi-los, você, Luciano precisa ir à biblioteca pública atrás de
qualquer informação que você achar pertinente.
- E eu começo por onde?
- Sugiro em livros sobre o tema, seja
ficção, seja realidade, seja religioso. Caso lá não tenha, depois vamos à
livraria atrás de algum na sessão de religião, certo? E eu não estou falando em
nenhuma que se encontre facilmente.
- Esse tipo de lugar existe em Manaus?
- Sim, é só saber procurar. – André
piscou.
- E a Vic?
- Ela vai ficar
e ler mais um pouco da bíblia.
Luciano
chegou com alguns exemplares, os que ele pode pegar emprestado, em sua maioria
ficção, aventura e terror. A maioria não explicava muito do motivo que ele era
incompleto. Aquela informação estava deixando Luciano incomodado. Como assim
incompleto? E por que ele era assim?
André
pediu para que ele lesse o primeiro tirando-o de sua concentração. Era a
história de uma cidadezinha dos Estados Unidos onde um demônio possuía
particularmente crianças. André refletiu algum tempo e pediu para Luciano ver
os outros. Malak não gostava muito de crianças. Elas, apesar de serem mais
desprotegidas, necessitavam de uma quantidade de energia grande para possui-las
devido ao grau de pureza de suas almas.
Luciano
e Victoria se entreolharam sem entender e André explicou que, quanto mais pura
a alma, mais quantidade de energia maligna para possui-la e Malak era poderoso,
mas ainda, pelo que André notou, não conseguiu concentrar energia suficiente
para uma criança.
- Mas, se é necessário uma quantidade de
pureza baixa, por que minha tia foi possuída tão facilmente? Ela que vivia indo
à igreja. Era quase uma ornamentação de lá.
- Victoria, pureza da alma não está
ligado com o grau de comprometimento de uma pessoa com sua congregação. Sua tia
possuía uma fé inabalável, o que é bom, mas não é uma proteção muito forte. A
pureza da alma também não está ligada com promiscuidade ou coisa do tipo, e sim
o quanto a pessoa sofreu, o quanto de desilusão a pessoa sofreu em sua
existência. Se não me engano, pelo que sua mãe contava, sua tia teve perdas de
pessoas importantes na vida, não?
- Sim, primeiro foram meus avós, a mãe
dizia que a tia foi quem mais sofreu com a morte deles.
- E do seu primo, não foi?
- A mamãe contou isso?
- Contou sim.
- Minha tia nunca se recuperou por
completo do acidente que levou o Ric.
- Aquele seu primo que vivia vindo aqui
na sua casa para brincar com a gente quando crianças, Vic? O que morreu de
acidente de carro?
- Ele mesmo. O que levou minha tia a...
- A tentar o suicídio, não?
- Sim. – Victória se sentia
desconfortável por ver que sua mãe havia contato todas as coisas que ela
tentava deixar guardado. Ela ainda sentia falta do primo.
- Então, quando uma pessoa tenta o
suicídio sua alma perde a proteção de pureza que ela tem. Isso somado à perda
foi suficiente para que ela se tornasse um alvo fácil. Só não aconteceu mais
cedo porque eles fazem isso quando lhes convém e também porque eles não têm uma
lista de pessoas com tais características. E sua tia teve o plus de ter fé, e isso ajudou um pouco.
-O suicídio é tido como um crime grave
para os cristãos e...
- Se acontecer a alma da pessoa vai para
o inferno eternamente. É isso mesmo Luciano.
- Fiz a primeira comunhão. Isso deveria
valer de alguma coisa sobre essa coisa de incompleto, não?
- Não se preocupe com isso, pelo menos
por enquanto. O fato de você ser incompleto só te impede de ver quando as
possessões acontecem, mas você sente, e isso é bem mais interessante, pois as
sensações da presença de demônios aparecem bem antes de eles aparecerem.
- Eu sei, mas...
- No momento
certo, você vai saber o motivo, Luciano. Não coloque os carros na frente dos
bois, tudo bem? Agora, vamos voltar para as pesquisas?
Lá
pelo meio da tarde, Luciano desceu ao porão da mãe de Victoria atrás dos
cadernos. Ele havia esquecido o quando Tereza era organizada até mesmo em seus
escritos. Nas caixas havia cadernos a perder de vistas, todos escritos
impecavelmente cronologicamente sobre os demônios que ela enfrentou. Enquanto
procurava, alguns cadernos caíram em sua cabeça.
Depois
de soltar alguns palavrões ele leu o que estava na capa e correu para a sala
onde estavam André e Victória. Era um caderno falando mais sobre os
Cristadelfianos.
No
caderno era basicamente um projeto de vida para Victória e Luciano. Eles teriam
que se batizar à maneira dos Cristadelfianos. A idade não estava descrita, e quando
Victoria perguntou sobre estar muito velha para a cerimônia, André respondeu
que não havia idade certa para isso, desde que a pessoa já fosse adulta, a
qualquer momento, poderia se batizar. Precisava ser em água corrente e André
tinha o local perfeito para isso.
Eles
ainda teriam que estudar um pouco mais, mas a maior parte Tereza já havia
feito, André só precisaria de tempo para arrumar tudo, chamar alguns amigos para
poder realizar a cerimônia tranquilamente. Luciano e Victória, mesmo estando um
pouco apreensivos, sabiam que isso era uma etapa importante para derrotar
definitivamente Malak. Pouco depois das sete da noite, André voltou com a
informação de que a chácara estaria pronta. Ele deu alguns telefonemas. Em sua
maioria amigos de André, padres e ex padres convidando-os para o final de
semana.
Pelo
que Victoria entendeu, quanto mais religiosos estivessem presentes, mais forte
seriam os laços que criariam e mais forte seria a proteção de Luciano e
Victoria.
Os três pararam o que estavam fazendo, e saíram para jantar. No final de
semana, os três partiram para uma chácara que André herdou dos pais.
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